quinta-feira, 5 de novembro de 2009

MEDO, MISTÉRIO E MORTE, de Carlos Orsi

Em mais uma das corriqueiras investigações na biblioteca municipal da urbe que me acolheu, encontro um exemplar deveras escondido. Esquecido num canto opaco da sessão infanto-juvenil. Eis que me deparo com "Medo, Mistério e Morte", de Carlos Orsi Martinho. A capa sofrível, a editora obscura e o não (podem me amaldiçoar!) conhecimento do autor, criaram alguma resistência no momento do empréstimo. Lendo a introdução, do próprio escritor, me deparo com suas fontes de inspiração: E.T.A Hofmann, Poe, Stoker, Sheridan Le Fanu, H.G. Wells, Conan Doyle e Lovecraft. Com esta lista, não houve resistência que resistisse! Levei o surrado exemplar e, momentos depois, iniciei a leitura. Bem, Carlos Orsi, antes de tudo, é um dos autores mais conhecidos na Ficção Científica nacional. Seus textos são (pelo que pude constatar na web) reconhecidamente uns dos mais profícuos e originais da FC. Mas, eu não sou um fã declarado deste gênero, embora goste. E, o livro que citei passeia pelos campos do terror, meu gênero preferido! E foi por isso que acabei emprestando a obra. A diagramação é ruim, a estética toda é condenável, mas o conteúdo...Agora sei porque Orsi é um dos grandes nomes da Litfan nacional! Lendo as críticas, disponíveis na rede, sobre este livro, pareceu-me unânime entre os comentaristas que o único "defeito" da obra é a extrema influencia do escritor norte-americano H.P. Lovecraft. De como Orsi deixa-se "lovecraftiar" (acabei de criar esta expressão rsrs) em demasia na sua narrativa, embora os elementos desta estejam todos abrasileirados, o que é ponto para Orsi!

Não sou crítico literário, portanto esta observação sobre a influência do mestre e o exagero do Seu estilo no trabalho de Orsi, me foram, na verdade, extasiantes. Quantos de nós conseguimos escrever influenciados pelos gênios, mantendo seu estilo? A propósito, hoje Orsi não demonstra tão veementemente o estilo de Lovecraft, desenvolveu o "seu próprio", talvez porque esteja engajado unicamente, ao que parece, com a FC. Mas, o que li foi uma obra gigantesca do terror, contos que me fizeram mergulhar fundo nas águas envolventes deste gênero. Medo, Mistério e Morte é um volume único, um livro que deve figurar na estante de todos aqueles que perambulam apaixonadamente pelo universo do desconhecido. Um clássico "esquecido" do terror nacional!

São 7 contos de terror magnificamente escritos, que nos fazem consumir cada linha sôfregamente, ansiosos pelo que nos espera na próxima página, na próxima história. Pena que Orsi não escreve mais sobre terror, dedicando-se exclusivamente ao FC. Pena mesmo, pois hoje, mais amadurecido, suas idéias fariam estragos em nossa impressionável imaginação!

A Maldição do Ang Mbai-Aiba: Nazista, refugiado em solo tupiniquim, encontra, depois de muita procura, o fragmento de um livro amaldiçoado, capaz de "acordar" o Errante, um ser que é o começo e o fim do mais indizível mal. Pessoal, Orsi escreve como poucos e este conto, sobre zumbis, é um soco na boca do estômago, tão intenso, tão contaminado de horror. Ainda não li "Terra do Mortos", que dizem ser seu conto mais fantástico, mas imagino o que me espera, então, depois deste texto.

Noite de Samhain: Orsi nos mostra como os cristãos "emprestaram" alguns mitos nórdicos, algumas festividades, para criarem seu 25 de dezembro. Com esta idéia, o autor viaja assustadoramente numa história de vingança cheia de alucinações cruciantes, para infelicidade da personagem que fez uma tremenda "besteira". Sabem o que Zeus fez à Prometeu? Pois é, a vendeta que recai sobre a personagem deste conto é, diria, de deixar o supremo do Olimpo inspirado.

A Fábrica: É impossível não lembrar do 1984, de Orwell, e daqueles pequenos infelizes de Another Brick In The Wall, do Pink Floyd. Todos agrupados, massificados, "empurrados" à uma perspectiva de servilismo aflitivo. De que maneira isto constrói este conto? Bem, um professor possuido por um conhecimento atroz conduz seu pupilo à uma investigação que o fará rever seus conceitos sobre a arquitetura e suas "possibilidades". O que se esconde nos inofensivos ângulos das construções mais insossas, as cruvas francesas e suas finalidades, até mesmo a teoria espaço-tempo de Einstein, tudo termina (?) desvendando um absurdo latente, pavoroso.

Estranhos no ninho: Vampiros tratados de uma perspectiva histórica? O que os gregos escreveram a respeito destas criaturas? Ressalto que o termo "vampiro" não aperece no conto,o que alimenta ainda mais nossas conjecturas. Um arqueólogo recebe, por correio, um manuscrito instigante, e é convidade a passar um "tempo" em certa ilha, para investigar o restante da obra e seu valor acadêmico, e sua relação com o pequeno pedaço de terra cercado por água de todos os lados e seus antigos habitantes. O que ele descobre é que uma "visita" urgente da Inquisição, numa passado remoto, não foi de todo bem sucedida. Não, não pense no óbvio! Orsi nos conduz à uma história provocadora.

Projeto Cassandra: Aqui, o terror invade o terreno da Ficção Científica. Alienígenas num grande complô, fazem uso das nossas ambições, das nossas ridículas faculdades, para seu bem comum. A trama, quando descoberta, ou quando alguem chega perto de, é draconianamente defendida, com as criaturas lançando mão dos meios mais escusos para tal. Afinal, nossa moral terrestre está certa? O que fazemos com nossos semelhantes, com outras espécies, com todo o planeta, nos torna melhores que quem? O último diálogo termina nos incitando à uma ótima pergunta: Mesmo estando sozinhos (?), estamos melhor assim? Acho que não...

Ora Pro Nobis: "Orai por nós". Por quê? Apesar do Apocalipse (e toda bíblia, forçoso dizer) ser uma compilação de histórias muitos mais antigas, "emprestadas" de civilizações bem mais remotas, com vários anacronismos e incoerências, o que aconteceria se um acontecimento nos mostrasse que algumas de suas afirmações estão prestes a acontecer? Já não basta o inferno diário no qual o mundo está, há muito, afundado? Não, meus senhores e senhoras! Um "enviado" (por quem é uma boa pergunta) nos diz, através de atitudes insanas, que o fim será muito pior, e até ele chegar, este pior estará sempre nos rondando, nos mostrando seu sorriso encarnado.

Aprendizado: Junto com o primeiro conto, este é, na minha opinião, o mais influenciado pelo estilo narrativo de Lovecraft. Que maravilha, então! E é mesmo! Cheio de teorias sobre a geografia terrestre e as consequências de se contestar o "status quo", sobre a função social de certos ruminantes e seus segredos infames, o texto nos leva numa viagem (de barco, com as personagens!!!) inescrutável. Até seu fantástico final! Orsi escreveu este conto quando tinha apenas 21 anos, de acordo com minhas pesquisas. Nesta idade, a maioria está "vazia", com a cabeça repleta de estupidez e alienada ao extremo. Palmas para o escritor paulista e sua enorme habilidade com as idéias fantásticas, influenciado, ou não.

Victor Meloni



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