sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Divulgação: Ganhe um exemplar do livro Um Mundo Perfeito, de Leonardo Brum


O Blog Sagas Marcantes está fazendo uma promoção com o livro Um Mundo Perfeito. Basta tornar-se seguidor do blog, e então mandar um email para leonardolvx@hotmail.com, informando seu nome e que deseja participar da promoção. Mais detalhes em http://sagasmarcantes.blogspot.com/2010/01/regulamento-da-promocao.html

A propósito, quem quiser se cadastrar com meu ID, eu agradeço, pois assim, ganho mais cupons para o sorteio. Sim, é isso mesmo, estou pedindo para vocês aumentarem minhas chances, he he he. Meu ID é 38.

Abraço, boa sorte!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A CASA DAS BRUXAS, de H.P. Lovecraft


Outro autor famoso que ainda não tinha aparecido por aqui. Falar sobre a vida de H.P. Lovecraft é repetir tudo que já foi dito, milhares e milhares de vezes, portanto, se tiver curiosidade de saber mais sobre o excêntrico escritor, clique aqui. Tudo que vou dizer é que o sujeito criou uma mitologia própria e muito pessoal, investindo no que chamava de "Horror Cósmico", um terror que fazia o ser humano sentir-se insignificante frente à grandeza dos "Antigos", criaturas malévolas que observam nossa realidade, esperando pelo momento de voltar. É claro que ele também utilizou lendas antigas (e já presentes em contos anteriores) em suas tramas, mas isso não tira de forma alguma sua originalidade, que ainda fundiu o terror com elementos de ficção científica. Ele criou seus mitos com tal capricho, que existe gente até hoje acreditando que um elemento de suas histórias, o Necronomicon (o livro maldito escrito pelo fictício e onipresente Abdul Alhazred) é real.

Mas enfim, hora de falar do livro (real) que é tema do presente post: A Casa das Bruxas, publicada pela Francisco Alves em sua maravilhosa coleção "Mestres do Horror e da Fantasia". A obra trás quatro contos, que serão comentados a seguir:

Nas Montanhas da Loucura - Esta é uma das histórias mais famosas do autor, fazendo parte dos chamados "Mitos de Cthulhu". O ponto de partida mostra o massacre dos membros de uma expedição à Antártida por alguma(s) criatura(s) misteriosa(s), e a posterior viagem realizada por dois homens para descobrir o que aconteceu. Através da típica narrativa em primeira pessoa, um dos personagens vai narrando (com um didatismo quase obsessivo) tudo que encontram no acampamento: os rastros da coisa gigantesca que matou todas aquelas pessoas, os fósseis bizarros que os cientistas haviam descoberto, anteriores ao tempo dos dinossauros, etc. O cenário lúgubre é rodeado de montanhas colossais, que trazem uma sensação de inquietude constante. Logo, os dois aventureiros descobrem que há uma cidade perdida lá dentro das cordilheiras; uma metrópole habitada por criaturas que, certamente, não eram humanas.
É um conto longo (quase um pequeno romance), repleto da profusão de adjetivos comum em Lovecraft. Muita gente adora, mas confesso que me irrito um pouco ao ler algo como "o horror indizível" pela terceira ou quarta vez no mesmo conto. O autor possuía um estilo pesado, que não é para todos os paladares literários. Inclusive, muita gente critica o estilo do gajo, afirmando que ele era um escritor limitado. Eu não poderia discordar mais, mas cada um é cada um. Porém, mesmo que não gosta sabe respeitar a importância do autor.
O final da história faz uma citação direta à história "A Narrativa de Arthur Gordon Pym", de Edgar Allan Poe. Não é segredo para ninguém que Lovecraft era fãzaço de Poe, e o conto em questão serve, de certa forma, para explicar tudo que Edgar Allan Poe preferiu deixar no mistério. Enfim, o desfecho da história de Lovecraft só é compreensível para quem leu "A Narrativa de Arthur Gordon Pym", o que me leva a crer que Nas Montanhas da Loucura é uma das mais famosas fanfics da literatura.
Apesar da narrativa densa, consegui ler sem esforço. Acho a trama fascinante e, sem sombra de dúvida, é uma das minhas favoritos do autor.

A Casa Abandonada - Conto mais "leve", aborda uma estranha propriedade onde, segundo dizem, ocorreram inúmeras mortes misteriosas. O narrador inicia com lembranças da infância, quando ele e os amigos invadiam a casa para suas brincadeiras e aventuras imaginárias (é interessante notar detalhes tão prosaicos em um conto de Lovecraft, já que o autor dava muito mais ênfase nos aspectos incomuns); apesar da atitude temerária dos garotos, estes não deixavam de sentir um medo inexplicável dentro dos corredores escuros, impregnados de um fedor indescritível e fungos estranhos, de aparência esquisita. Já adulto, o personagem faz descobertas alarmantes a respeito do lugar.
Não é dos contos mais memoráveis, mas nem por isso é desprezível. De certa forma, diria que é um bom começo para os não iniciados em Lovecraft.

Os Sonhos na Casa das Bruxas - Esse é bastante interessante por trazer altas doses de ficção científica. Walter Gilman faz estudos científicos no sótão de uma velha casa, na cidade de Arkhan (de onde você acha que surgiu o nome do hospício das histórias do Batman, hein?). Fascinado pelos intrincados ângulos da arquitetura do recinto, o sujeito faz cálculos e mais cálculos envolvendo física quântica e equações não euclidianas, tentando achar uma explicação para algo que o incomoda naquilo. De noite, é vítima de intensos pesadelos, que o mergulham ainda mais em sua obsessão sinistra, que pode trazer resultados... Argh, quem eu quero enganar? Que EFETIVAMENTE TRAZEM resultados apavorantes! História das boas, também é das mais conhecidas. Curiosidade: o conto foi adaptado para a minissérie Mestres do Terror, e pode ser encontrado nas locadoras. Mas francamente, recomendo a leitura do conto, pois a adaptação não ficou lá das melhores.

O Depoimento de Randolph Carter - Randolph Carter é um personagem recorrente no universo criado por Lovecraft, além de ser seu alterego óbvio. Na trama em questão, Randolph acompanha (via cabo telefônico, uma novidade científica na época) a jornada de Harley Warrem para dentro de uma estranha necrópole subterrânea. A trama se resume a Randolph escutando a narração do amigo, que vai descrevendo os horrores que encontra pelo caminho. Embora o desfecho não seja dos mais originais hoje em dia, certamente o foi na época; mas não importa, pois ainda assim, é um clímax capaz de causar calafrios. É outra das minhas histórias favoritas do autor.

É importante ressaltar que os contos presentes nesse livro podem ser encontrados em outras coletâneas. Mesmo assim, a obra se destaca por trazer três das melhores histórias do lendário escritor. Recomendadíssimo!

Abraços, boa leitura.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Entrevista: Ademir Pascale, autor de O Desejo de Lilith

Ademir Pascale é um nome conhecido na literatura fantástica nacional. Ativista cultural, lingüísta, crítico de cinema, editor e escritor, Ademir é responsável por inúmeros projetos na área da literatura fantástica, incluindo contos, sites e antologias de horror e ficção. Casado com Elenir Alves, (também escritora) os dois editam e distribuem o TerrorZine, revista virtual que sempre tem presença garantida aqui na Biblioteca Mal-Assombrada. O escritor conversou conosco há alguns dias, mas parece que não foi visto desde então. Bem, leiam a entrevista e tirem suas próprias conclusões.

Olá, Ademir Pascale! Seja bem vindo à Biblioteca Mal-Assombrada. Vejo que conseguiu passar pelo nosso porteiro Golem. O ingrato teima em reclamar do salário substancial que eu pago sempre que lembro! Teve uma vez que ele agarrou um infeliz pelo pulso para se lamentar, e não soltava, até que o coitado preferiu serrar o próprio braço para fugir daquela ladainha. Mas estou divagando, vamos começar e entrevista. E então, como está a ansiedade para o lançamento de O Desejo de Lilith?


Olá, Mario, agradeço pela entrevista. Confesso que estou ansioso, quero logo ter o livro em mãos, mas acredito que seja uma ansiedade normal de escritor. Falta pouco, menos de um mês (20/02/10).


Fale um pouco sobre as diferenças entre escrever contos e uma história longa.

O conto deve ser ágil, diferente do romance que podemos jogar várias ideias e trabalhar longamente vários personagens. Não tenho dificuldades em escrever minicontos, contos, novelas ou romances. O verdadeiro escritor desenvolve histórias com qualquer limite de caracteres. O que predomina é a criatividade. Um bom exemplo é o miniconto do consagrado escritor estadunidense Ernest Hemingway (1899-1961): Vende-se: sapatos de bebê, sem uso.

Há vários personagens históricos em seu romance. Como foi o trabalho de pesquisa?

Já fazem 19 anos que venho fazendo esse trabalho de pesquisa histórica, isso porque tenho 33 anos. Sou aficionado por esses personagens, destacando os bíblicos. Gosto muito de história e antiguidade, e não é difícil me encontrar num museu observando quadros, esqueletos e artefatos antigos. Muitos me conhecem apenas como Ademir Pascale, crítico de cinema, editor, escritor e ativista cultural, mas iniciei minha carreira assim, estudando e pesquisando história. Também sou pesquisador de paranormalidades e do fenômeno UFO, ex-colaborador da Revista UFO. Escrever sobre várias personagens históricas em meu romance, não foi difícil, pois sempre estive mergulhado nelas. O Desejo de Lilith está recheado de pesquisas, acredito que o leitor, além de se deliciar com a história, aprenderá muito.

O livro fala algo sobre um erro de tradução na Bíblia. Acha que isso pode gerar alguma polêmica?

É algo muito antigo, mas não é bem um erro, mas sim “esquecimento”. A Bíblia é uma coleção de pequenos livros e relatos de várias pessoas, teve vários tradutores, escribas e muitos envolvidos. Na antiguidade eles eram proibidos de citar alguns nomes, um deles foi esquecido e citado, algo verídico. Muita coisa que poderíamos aprender, foi apagada, esquecida e modificada, talvez para todo o sempre. O desenvolvimento de O Desejo de Lilith, gira em torno deste “pequeno” esquecimento; pequeno somente em nome, pois através dele pude descobrir que existe algo bem maior.

Fale algo sobre o livro que você ainda não contou a ninguém!

O bíblico Caim está envolvido na trama, algo que ainda não comentei no blog oficial. Estou desenvolvendo com uma bruxa (verdadeira) um artefato anti-demônio, um brinde que pretendo distribuir para quem adquirir o livro O Desejo de Lilith no dia do lançamento.

Agora, uma pergunta que muito interessa os escritores iniciantes: como foi a jornada para conseguir uma editora?

Passei um ano e meio procurando por uma editora. Surgiram algumas interessadas, mas não eram comerciais. Eu disse para mim mesmo que encontraria uma comercial e que receberia pelos direitos autorais. Demorou um pouco, mas encontrei. A Draco, editora que publicará o meu romance O Desejo de Lilith, vem se mostrando promissora, com ótimos títulos que ainda serão lançados este ano. Muitos escritores escrevem o seu primeiro romance e acham que estão prontos para adentrarem neste concorrido mercado. É preciso estudar, pesquisar, insistir e fazer a diferença, além de que todo escritor deve ter um site ou mesmo um blog, para mostrar e preparar o leitor, receber feedbacks, etc. Muitos desistem logo no início, pois não é fácil, são barreiras e mais barreiras, mas no final garanto que vale a pena.

Quando e onde será o local de lançamento do romance?

O Desejo de Lilith será lançado no dia 20 de fevereiro de 2010, no Bardo Batata: Gastronomia e Cultura. Rua Bela Cintra, 1333, Jardins, S. Paulo. No mesmo dia, horário e local acontecerá também o lançamento do Poe 200 anos, antologia que organizei com Maurício Montenegro, com presença confirmada de vários autores. Dois lançamentos imperdíveis. Para os que desejam saber mais, acessem e sigam o blog oficial do livro:

Quem comparecer poderá pedir uma dose por conta do Ademir (ok, é mentira)

Fale sobre seus projetos futuros. Algum outro romance a caminho? Teremos mais antologias temáticas esse ano?

Além das antologias em andamento No mundo dos cavaleiros e dragões e Zumbis: quem disse que eles estão mortos? Para este ano estou com a ideia de mais duas antologias, uma delas é o Draculea II. Em 2009, juntamos sete escritores: Ademir Pascale, Roberto Causo, Nelson Magrini, Adriano Siqueira, Rosana Rios, J. P. Balbino e J. Modesto. Fizemos uma obra temática que foi aprovada por uma editora, recebemos a resposta no início deste ano. Acredito que o lançamento será em março, mas o título e o nome da editora ainda é segredo...(rsrs) Fora isso, estou trabalhando com o Maurício Montenegro numa outra coletânea com mais seis escritores: Gerson Lodi-Ribeiro, Waldick Garrett, James Andrade, Juliano Sasseron, Regina Drummond e L. F. Riesemberg (o título também é segredo). Ah, comecei a rascunhar meu segundo romance, a ideia é tão boa quanto a do O Desejo de Lilith.

Gostaria de saber um pouco sobre seu processo de escrita, do surgimento de uma idéia até a história finalizada.

Minhas ideias surgem do nada, é incrível. Muitas vezes quando surge uma ideia, estou dormindo e sonho com ela, quando acordo tenho logo que pegar uma caneta e um papel para escrever, senão esqueço...(rsrs) Confesso também que na maioria das vezes, quando estou desenvolvendo uma história, o meu som está com o volume no máximo, sempre com um clássico do rock. Também no desenvolvimento, tudo depende do meu estado de espírito, algumas vezes o texto sai completamente melancólico, outras “um pouquinho” mais alegre...(rsrs)

Imagino que O Desejo de Lilith seja seu “xodó” agora. Mas de todas as outras histórias que você escreveu, qual é a sua favorita e por quê?

Você acertou, meu xodó agora é O Desejo de Lilith. Mas de todas as histórias que escrevi, além do Lilith, a minha favorita será publicada este ano na coletânea que citei em uma das respostas acima, o conto é intitulado “Amor Liberto”, pois nele uso boa parte do meu conhecimento sobre religião, além de usar um dos meus personagens históricos favoritos: Jesus Cristo.

Imagem da nova queridinha do Ademir. Deixa a Elenir ficar sabendo :)

Você é um dos editores da Terrorzine, fanzine virtual especializada em minicontos. Pelo que pude constatar, o miniconto é algo que causa certa polêmica, pois muita gente acha que é impossível construir algo com valor literário em tão poucas linhas. Quais suas opiniões a respeito disso?

Nada é impossível, e diz isso somente aqueles que tem problemas com quantidade de caracteres. Na literatura, tudo causa polêmica, sempre alguém critica ou está contra algo. É difícil agradar todo mundo, não é verdade? O miniconto está associado ao minimalismo; literatura minimalista. Um grande destaque na produção de minicontos, foi publicado em 1994 pelo escritor Dalton Trevisan, com a obra Ah, é? (Record). Ainda posso destacar Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (Objetiva, 2004), coletânea organizada por Marcelino Freire, onde reuniu vários autores com minicontos de até cinquenta letras.

Sabemos que você é um leitor voraz. Leu algum livro de horror interessante ultimamente, que gostaria de recomendar aos nossos freqüentadores?

Li menos do que esperava em 2009 , pois escrevi muito, mas destaco Pride And Prejudice And Zombies (Chronicle Books), uma paródia sobre zumbis criada pelo autor Seth Grahame-Smith, baseada na consagrada obra Orgulho e Preconceito da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817).

Por fim, a pergunta obrigatória aqui na Biblioteca: se você tivesse o Necronomicon em mãos, você o leria?

E quem disse que eu não li?

Pois bem, obrigado pela entrevista. Desejamos sucesso para seu romance e novos projetos. Perdoe-me por não acompanhá-lo até a saída, mas esqueci mais uma vez de pagar a merrec... digo, o justo ordenado do Golem. Seja rápido ao passar pela porta, senão... Ah, melhor levar este serrote contigo.

Valeu. Desejo-lhe muito sucesso em suas empreitadas. E não esquenta com o serrote, sempre ando com um martelo e uma estaca.

Hmmm, acho que isso só funciona com vampiros, mas tudo bem. Abraços, volte sempre!


"Pois é, sempre me confundem com o Edward do Crepúsculo."


quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Divulgação de evento: Lançamento dos livros O Desejo de Lilith e Poe 200 Anos

Atenção paulistas fãs do horror: dia 20 de fevereiro, tem lançamento para vocês comparecerem. Segue o convite abaixo, com todas as informações. Abraços, bom evento!

sábado, 16 de janeiro de 2010

RAÇA DA NOITE, de Clive Barker


Clive Barker é um nome bastante conhecido por aqueles que gostam do assunto deste blog. Na literatura, é famoso pela obra Os Livros de Sangue, e no cinema, por ter criado a série Hellraiser (roteirizando e dirigindo o primeiro filme) e o personagem Candyman. Quando começou sua carreira literária, recebeu o seguinte elogio do mestre Stephen King: "Eu vi o futuro do horror, e seu nome é Clive Barker". Embora a previsão não tenha se revelado das mais acertadas, a qualidade da obra do autor é indiscutível. De fato, estava faltando algo dele por aqui, então vamos remediar isso falando daquele que, talvez, seja o livro mais acessível para quem ainda não conhece o escritor.

Raça da Noite (Editora Civilização Brasileira) conquista logo nas primeiras linhas, que dão o tom de romance e mistério que permeia toda a obra: "De todas as promessas precipitadas feitas de madrugada, em nome do amor, Boone sabia que nenhuma era mais certa de ser quebrada do que "Nunca te deixarei". O personagem Boone não é do tipo que todos fazem questão de convidar para as festas, por assim dizer; sorumbático e cabisbaixo, carrega uma culpa difícil demais para suportar. Assim, ao afastar-se da garota que ama (Lori), Boone acaba encontrando um terrível destino sob a influência de Decker, o vião... porém, a morte não é o final da jornada de Boone, que continuará sua busca por Midian, a mítica cidade daqueles que estão acima da vida e da morte.

Li o livro faz muitos anos (o que me impede de fazer uma resenha mais detalhada), mas ainda lembro do efeito que ele causou. Barker é famoso por tratar o grotesco com delicadeza, por juntar o erótico com o atroz. Raça da Noite pode ser definido como um livro de amor e horror, numa mistura agridoce que funciona como poucos livros do gênero. Boone, o típico herói caladão, consegue a empatia do leitor logo de cara, assim como a feminina e corajosa Lori, que enfrenta seus medos para ir atrás do amado. A necrópole de Midian é um personagem em si, com horrendos habitantes que interagem com Boone de maneira pacífica, fazendo com que a obra flerte também com a fantasia (algo recorrente na obra de Clive Barker).

Raça da Noite não tem o objetivo de causar medo, mas sim emoção, tensão, nojo e ternura. Características paradoxais que convivem em paz durante a trama, algo que somente um autor de talento consegue transmitir.

Boa leitura.

AS MINIATURAS DO TERROR, de Tabitha King


É difícil deixar de comparar As Miniaturas do Terror (Editora Francisco Alves) com os livros de Stephen King, uma vez que a autora é esposa do mesmo (eu sei, você não achou que o sobrenome era coincidência, rs). Imaginando que a comparação seria injusta, procurei ler o livro sem preconceitos ou comparações, para conseguir assim avaliar a obra da maneira adequada. Pois bem, o livro até funciona, mas com ressalvas.

A personagem principal é Dorothy Hardesty Douglas, filha de um ex-presidente americano que, na meia idade, vive presa nas recordações dos tempos de glória. Rica, possui uma detalhadíssima miniatura da Casa Branca, que para ser perfeita carece apenas de um detalhe: moradores. Então, o cientista sexualmente reprimido Roger Tinker, que nutre uma estranha paixão pela protagonista, oferece a possibilidade de realizar seu desejo. A primeira vítima acaba sendo a jornalista e apresentadora de TV Leyna Shaw, por quem Dorothy já nutria ódio e inveja. Miniaturizada e presa na maquete, Leyna precisa enfrentar os maus-tratos da giganta que a aprisiona, sendo obrigada a submeter-se à seus caprichos infantis e insanos. E ela é só a primeira, afinal, a carcereira deseja povoar ainda mais aquele pequeno espaço onde pode brincar de Deus... e seus dois netos, a nora e o ex-amante (que agora tem um caso com a nora) podem ser as próximas aquisições.

O grande problema de As Miniaturas do Terror é que ele não entrega aquilo que promete. Tudo bem, talvez a autora não tenha culpa pelo texto na orelha da obra, mas ao saber do que se trata o livro, o leitor espera algo grotesco e apavorante, uma história sobre maus-tratos e abuso de poder, onde uma pessoa decide o que pode fazer sobre aqueles que são fracos demais (fisicamente falando) para opor resistência. No entanto, Tabitha King prefere adotar uma abordagem mais sutil, que resulta frustrante e insatisfatória; a interação entre Dorothy e a miniaturizada Leyna é mínima (não é trocadilho), resultando em poucos momentos de tensão e medo. Para alguém que odeia Leyna, Dorothy é benigna demais para um romance do gênero horror.

A idéia da autora, logicamente, foi mostrar aos poucos a degradação física e psicológica das duas mulheres, uma ao se deslumbrar com o poder recém-adquirido, a outra por ser privada de todo o poder que possuia. É interessante notar que a belíssima Leyna era muito mais alta do que Dorothy, que parece sentir um pouco de complexo a respeito disso (embora fique subentendido). Porém, embora a escritora consiga passar esse sub-texto psicológico com competência, particularmente teria preferido algo mais explícito, além de mais interações entre as duas rivais.

A linguagem da escritora também não é das mais fáceis. Não é uma escrita gostosa de ler, então a leitura flui de maneira lenta. Além disso, há muitos diálogos e situações dispensáveis, que ao invés de acrescentar algo à trama, parecem apenas atrasar o principal (há vários trechos em que pensamos "que droga, quero acabar logo essa parte chata para ver o que está acontecendo lá na miniatura!"). Os personagens, por sua vez, não possuem particularidades muito definidas, o que não deixa de ser um elogio: nesse aspecto, a autora tentou evitar os clichês e convenções do gênero. Por fim, o desfecho é bastante adequado, embora não seja dos mais surpreendentes.

Miniaturas do Terror é até legalzinho; contudo, é o tipo de obra que deixa um gosto meio amargo na boca, pois ficamos com a impressão de que poderia ter sido bem melhor. A abordagem diferenciada que tenta escapar dos clichês é louvável, mas nem sempre funciona. Acredito que saber usar clichês (na medida certa) é muito mais eficaz do que tentar fugir deles e cair em outros lugares-comuns, resultando assim numa leitura desnecessariamente complexa e claudicante. Mesmo assim, é um livro que demonstrava o potencial da autora, que publicou outros livros que não foram lançados no Brasil. Fica a curiosidade de saber se ela melhorou ou não.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Saiu a Terrorzine nº 17. Baixe aqui!

Mais um número da Terrorzine saindo do caldeirão para você, apreciador desses deliciosos petiscos literários chamados minicontos!

www.literaturafantastica.com.br/terrorzine17.pdf

Boa leitura!

domingo, 10 de janeiro de 2010

OBRAS PRIMAS DO CONTO DE SUSPENSE


Depois de termos o excelente Obras Primas do Conto Fantástico resenhado aqui na Biblioteca pelo nosso chefinho Mário, chegou a vez de conferirmos o interessante Obras Primas do Conto de Suspense, da mesma editora Martins, lançado em 1966. Quero abrir o texto afirmando que me impressionou a qualidade editorial da obra, com uma bela introdução, ótimas traduções e, principalmente, por trazer um texto informativo a respeito de cada autor antes dos contos. Isso pode parecer irrelevante tratando-se de nomes famosos, como Edgar Allan Poe e Conan Doyle, mas é imprescindível para nos apresentar à maioria dos escritores aqui presentes, desconhecidos ou já esquecidos. Também quero elogiar a inclusão de escritores brasileiros, como vocês verão a seguir. Sem mais demora, vamos aos contos.

O Caso do Sr. Valdemar (Edgar Allan Poe): Dispensam apresentações, tanto o conto como o autor. Um dos melhores trabalhos deste perturbado americano, O Caso do Sr. Valdemar é um clássico apavorante, que trata de hipnotismo e flerta com zumbis, aumentando a carga de suspense linha após linha, parágrafo após parágrafo, até uma escatológica explosão final. Ou seja, um ótimo começo.

A Dama, ou o Tigre? (Frank R. Stockton): Este foi o que mais me intrigou. De acordo com o texto informativo sobre o autor, ele escrevia livros infantis, mas foi com este conto que atingiu a fama. E é com um clima de fábula que ele nos apresenta a um rei megalomaníaco que inventou uma curiosa maneira de julgar os acusados de crimes no seu reino: o réu é levado a uma arena, à moda do Coliseu, e sob o olhar de uma imensa multidão lhe são oferecidas duas portas idênticas, das quais ele só poderá abrir uma, à sua escolha. Dela poderá sair um tigre muito feroz e faminto que lhe devorará em segundos, ou então uma bela jovem com quem ele se casará ali mesmo, diante de todos. É só o destino que pode decidir se o sujeito merece uma morte violenta ou uma festa grandiosa. Há várias qualidades no texto, como o suspense quase insuportável, a possibilidade de uma leitura freudiana e a grande interação do autor com o leitor. Mas o que mais me ganhou foi o final, que foge totalmente das convenções dos contos — o que poderá até irritar algumas pessoas, mas que o deixa com um charme irresistível e ainda lhe dá mais força.

A Chinela Turca (Machado de Assis): O maior nome da literatura brasileira escreveu contos de bastante suspense com seu estilo irrepreensível, como prova este belo exemplar. Cheio de pontos de virada, o conto pode servir como ótima entrada para aqueles que tacham a obra machadeana como monótona. Aliás, este conto é um manifesto anti-monotonia. Começa com um protagonista saindo para um baile, onde se encontrará com uma moça por quem está apaixonado (calma lá, amigos, as coisas melhoram). Em seguida ele é impedido de sair pela chegada de uma inesperada visita, e quando finalmente vê seu caminho livre para ir namorar, surgem dois sujeitos que se apresentam como policiais e o acusam pelo roubo da valiosa peça do título. O pobre apaixonado é levado junto com eles, apenas para descobrir que os caras não são da polícia coisa nenhuma: são bandidos, e querem lhe aplicar um golpe antes de assassiná-lo. O final também pode desagradar alguns leitores, mas traz a marca registrada do autor, que é a ironia.

A Tisana (Léon Bloy): O texto de apresentação do autor fez com que eu me interessasse imensamente por ele, retratando-o como uma figura estranha, violenta, intolerante, desagradável e inquisidora, que escrevia demonstrando sua predileção por perversões hediondas e torpezas horripilantes. Talvez por toda essa expectativa gerada, esta tenha sido a primeira grande decepção da coletânea. O conto é simplório e totalmente previsível. Traz um jovem que, por acaso, ouve sua mãe confessar ao padre que ela havia colocado veneno no chá de alguém, o que deixa o filho com dúvidas sobre quem é a pobre vítima de tão amável senhora. Achei infantil demais, até mesmo o final, que se pretende sarcástico, mas que acaba sendo terrivelmente batido e sem graça.

Louco (Guy de Maupassant): Outro autor que dispensa apresentações, aqui às voltas com um de seus temas recorrentes: o rumo à insanidade. Narrado na forma de anotações em um diário, mostra a decadência moral de um juiz que deseja experimentar o assassinato. Um dos textos mais cruéis e pesados de Maupassant, que impressiona por trazer infanticídio e o covarde homicídio de um sujeito indefeso.

O Quarto do Pesadelo (Conan Doyle): Mais conhecido pelos livros que trazem o famoso detetive Sherlock Holmes, Doyle também investiu em contos que se revelam superiores aos trabalhos que o tornaram famoso. Aqui já de início estranhamos a atmosfera misteriosa do ambiente, para só então sermos apresentados a um casal que entra em cena, cujo marido acabou de descobrir que a esposa o quer morto para fugir com o amante. Depois de um tenso diálogo, o conto volta a assumir um caráter fantasmagórico, descrevendo a presença de um terceiro personagem que observava a cena sem ser notado, e acaba de forma totalmente inesperada, ao revelar o segredo de tudo somente na última linha (final que, novamente, talvez não agrade a todos, mas que é inegavelmente desconcertante).

Carne, Nada Mais (Jack London): Um belo título, não? Porém, aqui precisamos abrir parênteses, pois começam a surgir na coletânea os contos do gênero policial, presente naquelas pulp fictions que faziam muito sucesso na época. Apesar da fama, eles eram considerados como lixo pela crítica, e quem ler as amostras presentes nesta antologia saberá o motivo. Parece que a moda neste tipo de literatura foi trazer aqueles personagens desajustados que, sempre durante a noite, tentam cometer algum crime perfeito, podendo este ser um golpe, um assalto ou um assassinato. Os problemas de narrativa começam quando os autores, na falta de talento, criam péssimos diálogos, situações absurdas e protagonistas capazes de tomar atitudes extremamente idiotas, achando que são inteligentes. Este conto não é dos piores, apresentando dois criminosos que roubam uma quantidade considerável de diamantes e um deles começa a tecer formas de eliminar o outro. Há certa tensão, mas com vários altos e baixos.

A Aventura de Rozendo Moura (João do Rio): O segundo título brasileiro do livro. Quem conhece João do Rio, principalmente através de seu sombrio livro Dentro da Noite, sabe no que ele é capaz de transformar as paisagens noturnas cariocas. Aqui um rapaz resolve ajudar uma moça que está fugindo do violento amante durante o Carnaval, mas o perseguidor parece agir de forma sobrenatural, sempre os alcançando facilmente apesar dos esforços que o casal faz para se locomover de forma incógnita.

Bocatorta (Monteiro Lobato): Este foi, literalmente, o conto do livro que mais me tirou o fôlego. Somente após o final é que consegui dar uma respirada de alívio. Desde as primeiras linhas, quando Lobato descreve um pântano mais profundo que o normal (que parece chegar até o inferno), o leitor já sente o clima de terror. Mas as coisas vão ficando mais pesadas e fúnebres depois que os personagens conversam sobre a existência de um estranho negro deformado, que pode estar envolvido com a violação de túmulos em uma comunidade rural. Narrativa angustiante, que pode impressionar os mais sensíveis.

As Mãos do Senhor Ottermole (Thomas Burke): Outro exemplar do gênero policial, que até surpreende. Trata-se de uma espécie de giallo (gênero de revistas e filmes policiais muito populares na Itália, com a presença de um assassino em série e a investigação dos crimes), que procura trazer as motivações por trás de um estrangulador. Mantém-se interessante até o fim, mas peca com alguns momentos inverossímeis.

A Casa da Rua Turk (Dashiell Hammet): Este sim, uma prova do quanto os contos policiais podiam ser ingênuos. Um detetive bate de porta em porta à procura de um jovem desaparecido, mas é aprisionado na casa de um grupo de criminosos. Desde o início notamos nos personagens aquelas atitudes absurdas que já mencionei, e as coisas só vão piorando com o decorrer dos acontecimentos. Bandidos que revelam passo a passo seus planos “secretos” bem na frente do herói e outras coisas estapafúrdias chegam a irritar: típico conto de escritor amador. É uma pena, pois Hammet é tido como um dos maiores nomes do gênero, autor de romances como O Falcão Maltês, e deve ter contos melhores que poderiam ilustrar esta seleta.

Cinderela e a Ralé (Cornell Woolrich): Depois de um trabalho totalmente datado e absurdo como o anterior, nada melhor do que uma gozação com o gênero para retirar o gosto ruim da boca. Na verdade temos aqui uma verdadeira comédia policial. Ou, pelo menos, é um conto policial que acertadamente nunca se leva a sério. A trama: uma menina de doze anos está entediada por estar sozinha em casa, estudando, enquanto o resto da família foi ao cinema. Um criminoso liga para ela, ao se enganar de número de telefone, e a confunde com uma mercenária. A menina, sem perceber o perigo e querendo divertir-se, entra no jogo e vai ao encontro do gângster, cujo bando quer usá-la como isca para roubar e matar um rival. É possível rir bastante com a ingenuidade da garota, que entende literalmente gírias como “esticar as canelas”, e também com a presença de todos os clichês do gênero. Apesar de ser um pastiche, é carregado de suspense, pois a menina ingenuamente se vê presa em uma situação extremamente perigosa, da qual há poucas chances de escapar viva. Interessante também as alusões à personagem Cinderela, transformando o conto em uma espécie de fábula tarantinesca.

Material de Interesse Humano (Brett Halliday): Confesso que este me surpreendeu. É um western moderno, sobre um americano que comanda a construção de uma ferrovia em um deserto do México e faz amizade com um misterioso compatriota que surge do nada e lhe pede emprego — o qual, porventura, pode ser um assassino em fuga da polícia. Cheio de diálogos de duplo sentido, o conto conclui com uma revelação surpreendente, daquelas que o escritor soube esconder muito bem do leitor. Impressionante.

A Polícia Sobe a Escada (Thomas Narcejac): São páginas do diário de um sujeito que acabou de assassinar um antigo desafeto e está se escondendo. É interessante o arco dramático do protagonista, que de confiante por ter cometido o crime perfeito passa a demonstrar um comportamento paranóico, lembrando-se de possíveis pistas que pode ter deixado na cena do crime, e enxergando improváveis policiais disfarçados o vigiando por toda parte. A conclusão poderia ter sido abreviada, pois muda o tom da narrativa e me pareceu um tanto artificial. Mas pode funcionar para aqueles que a encararem como uma ironia, a la os finais dos filmes do Woody Allen.

A Magnólia Perdida (Luiz Lopes Coelho): Terceiro e último autor brasileiro do livro. Infelizmente, o que ele apresenta aqui é mais uma bobagem policial, com todos aqueles defeitos que já citei, em uma história clichê sobre um marido que envenena a esposa.

Cordéis Desatados (Ray Bradbury): Surpreendentemente o livro dá um tempo com os contos policiais e traz este belo exemplar do tio Ray, sobre um homem do futuro que compra um robô, idêntico a ele, para secretamente substituí-lo em algumas tarefas desinteressantes. O problema é que os ciborgs também sabem diferenciar as coisas boas das ruins, e podem ficar irritados com seu dono.

Degelo no nº 127 (Stanley Ellin): Conto um tanto bem humorado, sobre moradores de um condomínio que estão insatisfeitos com a falta de aquecimento do prédio, e resolvem unir-se contra o terrível senhorio para, digamos, convencê-lo a lhes dar o que eles querem. De certa forma lembra aqueles seriados como Amazing Stories, ainda que não traga qualquer elemento fantástico. Não é ruim, mas é inofensivo.

O Luar (Gil Brewer): Um marido traído resolve dar um fim no amante da mulher, mas ela é mais vagaba do que ele pensava, e as coisas fogem de seu controle. Só é ruim enquanto fica naquela lenga-lenga de protagonista elaborar um crime perfeito, sendo que o cara deixa tantas pistas que seria mais fácil se saísse gritando: “Vejam, estou cometendo um crime!”. Ainda assim, apesar dos defeitos, termina de forma inesperada e violenta, o que me fez acreditar que valeu a pena tê-lo lido.

A Última Gargalhada (Lix Agrabee): Mais um casal problemático em que um dos dois decide acabar com a vida do outro. Este começa de forma legal (porém já conhecida pelos leitores habituados com o gênero), revelando desde o início que o narrador-personagem já sabe que vai morrer. É fraquinho, mas dá para divertir um pouco. Muito pouco para se encerrar um livro desses, diga-se de passagem.

Enfim, apesar dos vários deslizes, Obras Primas do Conto de Suspense é altamente recomendado por causa de suas verdadeiras obras primas, que chegam a tornar o livro impróprio para cardíacos. Quem tiver a sorte de encontrá-lo em algum sebo, não perca a chance de adquiri-lo, pois lhe proporcionará aqueles adoráveis momentos em que roer as unhas é a única escolha.

L.F. Riesemberg / grafiasnoturnas.blogspot.com

domingo, 3 de janeiro de 2010

A GALINHA DEGOLADA E OUTROS CONTOS, de Horácio Quiroga


O escritor uruguaio Horácio Quiroga (1879-1937) teve uma vida marcada por várias tragédias. Quando criança, viu seu pai suicidar-se com um tiro. Alguns anos depois é o padrasto que suicida-se. Na juventude apaixona-se por uma jovem, mas o romance não prospera devido a oposição da família dela. Aos 24 anos, depois que dois de seus irmãos morrem, Quiroga mata acidentalmente um amigo com uma pistola e, desesperado, tenta o suicídio. Aos 29, quando era professor, namora uma aluna de 15 anos, encontrando novamente resistência dos pais dela, mas desta vez casa-se. Depois de algum tempo, muda-se com ela e a filha pequena para a selva, onde trabalha com plantações. Porém, a jovem não adapta-se e, após alguns anos, suicida-se. Ele permanece na mata por mais algum tempo com os dois filhos pequenos, mas decide voltar. Vê seu amigo Baltazar Brum chegar à presidência — época esta em que o escritor gozou de certo prestígio — mas alguns anos depois o vê sendo destituído do poder e, (sim, isto mesmo) suicidar-se. Quiroga volta a morar na selva com uma nova esposa, e esta também não se adapta e resolve deixá-lo. Pobre, descobre que tem câncer no estômago, irreversível e que lhe causa graves dores. Suicida-se com uma dose de cianureto. Mesmo após sua morte os acontecimentos trágicos não cessaram na família, com o suicídio de suas filhas.


Depois desta pesada introdução, vamos tratar do assunto que nos interessa, que é a coletânea A Galinha Degolada e outros contos — lançada em conjunto com Heroísmos (Biografias exemplares), publicados como livro de bolso pela L&PM Pocket. Trata-se, na verdade, de uma seleção de apenas seis contos e de alguns artigos escritos pelo autor em uma revista portenha nos anos 20.


Como o título da obra indica, entre os contos está presente a obra-prima de Quiroga. A Galinha Degolada é uma das melhores narrativas breves que já tive o prazer de ler. Através dela podemos conhecer as características que mais perseguem o autor uruguaio, lembrando em muito suas tragédias pessoais. Na história, o casal Mazzini-Ferraz vê seus sonhos de constituir família serem destroçados depois que cada um dos seus quatro filhos é acometido por moléstias que os tornam débeis mentais. Lendo hoje, temos um conto politicamente incorreto até a medula, pois trata crianças portadoras de deficiências como verdadeiros monstros. São elas as maiores causadoras de medo no leitor, pois a simples descrição do comportamento dos quatro meninos já é apavorante. A forma como eles ficam a tarde toda sentados em um banco no quintal com os olhos fixos no muro, ou como eles riem bestialmente ao ouvirem trovões, chega a me causar pesadelos, assim como quando eles são lavados, mugindo até os rostos ficarem injetados de sangue.


Mas é claro que um autor como Quiroga não usaria apenas este recurso no conto. Também descemos às profundezas do inferno conjugal, acompanhando a tragédia do casal que, vendo que nada podem fazer para evitar a desgraça que lhes abate, começam sutilmente a acusar um ao outro pelos monstros que geraram. Até que finalmente nasce uma filha perfeita, que os fazem temer sobre até quando ela continuará bem, antes que fique como os irmãos. Um conto complexo, trágico e violento em todas as formas (fisicamente, psicologicamente e narrativamente), com um final impressionante sangrento.


Só A Galinha Degolada já coloca Quiroga no panteão de grandes contistas latinos, mas a coletânea ainda apresenta outras pérolas obrigatórias. Uma delas é O Travesseiro de Penas, sobre uma frágil jovem que se casa com um sujeito duro, e que é acometida de uma estranha moléstia.


Em O Solitário, Quiroga revela-se uma espécie de Guy de Maupassant latino-americano, criando um conto com uma personagem que, na ânsia de ser rica, casa-se com um joalheiro. O problema é que ele é apenas um trabalhador sem tino para fazer fortuna, e isso a frustra cada vez mais, principalmente ao ter que conviver com as magníficas jóias que ele cria para os clientes. A comparação com Maupassant não é à toa, como o atento leitor compreenderá.


Em O Espectro, há uma ideia bastante original, com a criação de uma bela imagem. Creio que foi daqui que surgiu a inspiração para o argentino Julio Cortázar escrever seu conto Las Babas Del Diablo, que por sua vez inspirou o filme Blow Up – Depois Daquele Beijo, de Michelangelo Antonioni. No conto, um jovem ator morre antes da estreia de seu primeiro filme, e então a viúva e um amigo (que se amam e agora estão juntos) vão ao cinema conferir a obra. Sentindo-se culpados, notam que, em determinada cena do filme, o ator olha diretamente para eles, com raiva, como se estivesse vivo. A cada vez que vão ao cinema e assistem ao filme percebem que o ator chega mais perto da tela e os olha mais profundamente.


O Mel Silvestre trata de um assunto bastante particular para Quiroga: a saída da cidade grande para aventurar-se na selva. E a natureza, na obra do autor, não é nada amigável. Aqui o protagonista tem seu caminho cruzado por um batalhão de formigas carnívoras.


E finalmente A Câmara Escura comprova, para mim, que Cortázar era leitor de Quiroga. Um fotógrafo tira o retrato de um velho morto e se vê obrigado a encarar a câmera escura para fazer a revelação, onde a horrenda face do defunto emergirá no papel fotográfico. Um belo trabalho de aprofundamento psicológico é obtido aqui, e se a história de um fotógrafo às voltas com uma de suas fotografias não evocar Las Babas Del Diablo, então não sei mais o que podemos constatar.


Estes são os contos do livro, que servem como um apetitoso prato de entrada para se conhecer o magnífico autor. Além dos contos, também são interessantes os artigos Heroísmos, que ocupam metade da coletânea. Neles, Quiroga apresenta momentos marcantes da vida de ilustres personalidades, como Edgar Allan Poe e Louis Pasteur, o que estabelece um belo par com os contos. São histórias de superação e otimismo em meio a situações cruéis e difíceis, o que nos faz pensar mais uma vez na trágica existência de Quiroga. Parece que, no fim de tudo, apesar dos horrores e dramas que presenciou, ele queria dizer a todos que a vida vale mesmo por aqueles pequenos momentos de heroísmo que temos em nosso dia-a-dia, que podem ser demonstrados pela simples lealdade a um amigo, ou pela insistência em se acreditar nos próprios sonhos — isto quando tais atitudes são as mais difíceis e improváveis de serem tomadas por uma pessoa comum.


Neste aspecto, concluímos que os contos macabros de Quiroga traziam, sim, várias de suas frustrações, como a não-concretização de alguns amores, a falência de certos planos e a morte de muitas pessoas queridas. Mas ao escrevê-los, inconscientemente ele devia estar tentando dar um aviso aos incautos, para que continuem a observar o lado bom das coisas e a não desanimar perante as tempestades da vida.


Para adentrar mais profundamente no território selvagem de Horácio Quiroga, procure por Contos de Amor, de Loucura e de Morte, publicado no Brasil pela Record. Livro, aliás, que traz no título as principais obsessões do escritor, ainda que as palavras estejam em sentido inverso ao de predominância na sua obra.


L.F. Riesemberg / grafiasnoturnas.blogspot.com

Divulgação Dupla: Infernotícias e Coluna de Ficção Científica de Roberto de Sousa Causo no Terra Magazine

O blog Infernotícias é um ponto de parada obrigatório para o fã do gênero fantástico. Toda semana, o espaço trás novidades sobre o mundo do cinema, literatura e quadrinhos. No link que vou passar para que vocês conheçam o blog, o assunto é a coluna quinzenal do escritor Roberto de Sousa Causo, também sobre ficção, terror e fantasia. Aproveitem para conhecer, vale muito à pena! Causo é um grande escritor que estou conhecendo agora, que já publicou clássicos nacionais como A Corrida do Rinoceronte, o maravilhoso A Sombra dos Homens, dezenas de contos e organizou algumas antologias (como o excelente Dinossauria Tropicalia); em resumo, ele é alguém que pode tratar desses assuntos com bastante propriedade.

Enfim, clique no link abaixo e conheça, de uma tacada só, o blog Infernotícias e a coluna de Ficção Científica do Terra Magazine!

Link para o Infernotícias

Boa leitura.

sábado, 2 de janeiro de 2010

DUMA KEY, de Stephen King


Podem falar o que quiserem de Stephen King, menos que ele é um escritor preguiçoso. Todo fã desse simpático morador do Maine pode contar com pelo menos um livro dele por ano, quando não dois. E o presente que meu autor favorito mandou nesse natal atende pelo singelo nome de Duma Key (Editora Objetiva).
A trama começa com Edgar Freemantle narrando como sua vida mudou após um acidente, que quase esmagou seu crânio e arrancou seu braço direito. Tomado pela dor constante e pela revolta, Edgar se vê abandonado pela esposa após um terrível episódio de violência. O suicídio passa a parecer uma opção cada vez mais atrativa. No entanto, pelo bem da ex-esposa e das duas filhas que ama, ele resolve dar um tempo antes de tomar essa medida final (sugestão do Dr. Kamen, psicólogo de mente aberta), então muda-se temporariamente para a Flórida, terra dos aposentados, do sol e dos crocodilos. Antes de sua partida, o dr. Kamen faz a seguinte pergunta:
"- Edgar, existe alguma coisa que o faça feliz?
- Eu costumava desenhar.
- Então retome o hábito. Você precisa de proteção. Proteção contra a noite."
Por sorte (que ironia!), Edgar é canhoto, então pode seguir a dica. Uma vez instalado no Casarão Rosa de Duma Key, uma ilhota isolada e bela, ele começa a desenhar. E aos poucos, descobre que seus desenhos (que mais tarde se desenvolvem para pinturas) possuem um poder muito maior do que ele imagina.
Um poder maligno, que ele desejaria nunca ter invocado.
Duma Key é um dos bons de Stephen King. Digo isso porque, embora seja fã do cara, não sou cego para os defeitos de sua escrita, e há um ou outro livro seu (entre seus 52 lançados no Brasil, se não fiz as contas errado) que não consigo gostar. O autor possui alguns vícios que considero irritantes, como a mania de criar diálogos com uma solenidade exagerada, ou a insistência em adiantar o que vai acontecer várias páginas antes ("e foi a última vez que falei com ela" é uma de suas frases típicas). Tudo isso está presente em Duma Key, é claro, mas por sorte, os motivos que o tornam um dos autores mais queridos do mundo também permeiam as 665 páginas de Duma Key. E cara, Stephen King está em boa forma!
A fascinante história do aleijado que, aos poucos, descobre que possui um talento sobrenatural, desenvolve-se num ritmo lento, mas nunca desinteressante. Quem conhece o autor sabe que ele é mestre em suas descrições, na ironia inesperada, na escrita deliciosa de acompanhar. Edgar vai se envolvendo com seus vizinhos, o sarrista Wireman e a senhorita Elizabeth, um amor de pessoa com um passado sinistro. Personagens carismáticos e memoráveis, do jeito que King sabe criar com maestria.
Pelas capas e sinopses das obras de King, dificilmente ficamos sabendo qual entidade sobrenatural o escritor resolveu abordar. Acho que isso é parte da surpresa, então não vou adiantar aqui (pois, de certa forma, é até meio "inclassificável). Porém, não duvide: embora puxe muito para o drama sobrenatural de início, o livro é uma obra de terror. A primeira cena apavorante acontece lá pela metade do calhamaço, e depois elas vão aparecendo aos poucos, na medida certa, até o terceiro ato estilo "James Cameron", ou seja, pauleira pura (e estou falando isso no melhor sentido possível!).
O clímax do livro - ou ao menos, o que pareceu o clímax para mim - é de uma angústia e de uma claustrofobia que há muito tempo não se via, nem nos livros recentes do mestre do terror.
King continua respeitando a inteligência de seu "leitor constante", e nem tudo fica explicado ao final da trama, deixando espaço para nós mesmos preenchermos as lacunas.
E para o leitor atento, que lembrou que "pinturas sinistras" é um tema recorrente na obra do escritor (como exemplos imediatos, consigo lembrar de Rose Madder e O Vírus da Estrada vai para o Norte), não se preocupe. Ele não se repete aqui.
Duma Key é um King típico, com todos os defeitos que estamos acostumados, mas também com todo o sarcasmo, a diversão e o terror cru que somente ele é capaz de criar. Será que seus livros poderiam ter maior qualidade, caso ele escrevesse menos? Talvez. Provavelmente sim. Mas é provável que, se assim fosse, ele não tivesse nos presenteado com metade de suas obras apavorantes e imaginativas, repletas de idéias tão bizarras e geniais que ficamos nos perguntando: "como é possível que uma única pessoa tenha tantas coisas incríveis?". Enfim, as qualidades (únicas) do prolífico Stephen King superam MUITO seus defeitos, e acho que é uma troca justa.
Duma Key é o melhor livro de King nos últimos dois ou três anos, além de estar em pé de igualdade com alguns de seus clássicos. Altamente recomendável, portanto.
Boa leitura!