domingo, 17 de julho de 2011

OS MAIS BELOS CONTOS TERRORÍFICOS DOS MAIS FAMOSOS AUTORES - SEGUNDA SÉRIE, vários autores


Lembram da resenha que fiz do livro Os Mais Belos Contos Terroríficos dos Mais Famosos Autores? Bem, este aqui é simplesmente a "continuação", com a mesma proposta e contos diferentes. Para alguns, este aqui é ainda melhor do que o primeiro. Eu acho que não chega a tanto (só a capa que é muito melhor, obviamente), mas concordo que esta coletânea é realmente extraordinária.

Sem qualquer introdução, o livro já começa bem com o conto O Retrato, de Washington Irving (conhecido autor de A Lenda de Sleepy Hollow e considerado por alguns como o inventor do gênero "conto"). Aqui, um grupo de convidados em um castelo começa a conversar sobre eventos sobrenaturais, quando o anfitrião revela que há um cômodo naquela construção que muitos consideram assombrada. Os convidados duvidam e um deles se dispõe a passar a noite no quarto. Vocês, leitores experientes, já devem ter desconfiado que a noite dele não será das mais tranquilas.

A segunda história, O Reflexo Perdido, é do conhecidíssimo E.T.A. Hoffman. O conto começa bem, narrando o encontro de um homem com uma pessoa amada e há muito tempo não vista; muita gente vai se identificar com a situação e com a dor do personagem ao descobrir que a pessoa está comprometida. Tomado pelo desespero, ele foge para um bar, onde irá conhecer um estranho homem que parece ter medo de espelhos, o que irá acarretar em fatos interessantes, mas não muito memoráveis. Para um Hoffman, achei fraquinho (mas é claro, ainda assim continua sendo um conto acima da média geral).

O terceiro conto é de Poe, outro que dispensa apresentações. O Demônio da Perversidade, na verdade, parece mais um ensaio (ou uma longa elucubração) sobre a perversidade humana e como ela nos aprisiona. Texto chatinho do grande mestre, que tem vários textos mais interessantes para figurarem em uma antologia como esta.

Uma Feliz Experiência de Dessecação, de Edmond About, é até bem interessante, narrando os esforços para ressuscitar um Coronel francês aparentemente morto por hipotermia. O final satírico provavelmente teve mais efeito na época do conto, mas ainda funciona. Pena que, como terror, também não convence.

Depois de três textos um tanto desanimadores, a coisa melhora com Uma Estranha Cama, de Wilkie Collins. Aqui, um jovem tem uma noite de sorte no jogo e, por estar ébrio, aceita passar a noite em um quarto no lugar onde estava jogando. Claro que, assim como no primeiro conto, sua estadia será atribulada, mas não da maneira que o leitor espera. Conto arrepiante, com um desfecho bastante adequado.

(A partir daqui vou pular alguns contos e comentar apenas os dignos de nota)

As Sombras da Noite, de Paul Marguerite, é uma sólida e arrepiante história de amor. Um jovem médico se apaixona pela filha de uma paciente, mas ao pedir a mão da garota em casamento (sem consultar a mesma... época interessante aquela!) descobre que a mesma é noiva de um oficial da marinha. No entanto, a moçoila demonstra algum interesse pelo rapaz, mas a chegada providencial do noivo com cara de poucos-amigos trará sérias consequências. Muito bom!

H. Heinz Ewers trás aquele que talvez seja o ponto alto do livro, A Aranha. Conto de terror basicamente psicológico e de contornos Freudianos, conta a história de um estudante de medicina que deliberadamente deseja morar em um quarto de hotel onde três homens já cometeram suicídio. Apesar da hesitação dos donos do hotel e da própria policia, o sujeito consegue seu intento. No quarto em si ele não repara nada de estranho, porém desenvolve uma estranha fixação pela vizinha da construção em frente, que sempre vê na janela, sem nunca se comunicarem. Obra-Prima é pouco para definir.

As Mãos Estranguladoras, de M.G. Moretti, é talvez uma das histórias com trama mais redondinha, desenvolvendo a narrativa com perfeição. Um homem recebe um bilhete pedindo ajuda, de um homem que o enganou no passado; sem entender bem o porquê, resolve atender o pedido (mais desejoso de confrontar o FDP do que qualquer outra coisa), e lá descobre que o salafrário está sendo assombrado por outro personagem em que também passou a perna. Assustador e excelente!

A Verdade das Lendas, de Emílio Carrère, quase poderia se passar por uma das narrativas supostamente reais de Ambrose Bierce, narrando minúsculos (e arrepiantes) acontecimentos envolvendo fantasmas ou previsões. Sucinto e eficiente.

Armiger Barclay trás uma aparição diferente das demais da coletânea (um tipo conhecido na literatura, mas nada mais posso dizer para não estragar a surpresa) em A Câmara da Morte. A história pode ser considerada um tanto clichê hoje em dia, mas sua antiguidade a absolve de ser uma cópia ou plágio involuntário, alçando-a à provável condição de precursora. Com momentos legitimamente amedrontadores, creio que será o preferido de muitos leitores.

O Cérebro no Frasco, de Norman Elwood Hammerston, já serviu de inspiração para um ou outro filme B dos anos 50. O ponto de partida inegavelmente trash sobre um cérebro mantido vivo em um laboratório é abordado de maneira elegante e deliciosa, e certamente irá agradar os amantes de filmes antigos de horror.

A Casa do Juiz é outra preciosidade, trazida por um autor desconhecido aí chamado Bram Stoker (se alguém souber outro livro que ele escreveu, favor me informar, ahauahau). O típico personagem que resolve buscar isolamento para estudar aluga um casarão, que pertenceu a um Juiz tirânico e injusto. O horror que ele viverá lá dentro será dos mais intensos do livro inteiro, do tipo que pode causar mal fisicamente. Polegares para cima pro Sr. Stoker.

Olhos Ambarinos é de outro mestre do macabro, Henry Kuttner (autor do clássico Os Ratos do Cemitério, já resenhado por aqui). Nem vou comentar nada para não estragar, só digo que é mais um texto obrigatório para quem gosta de literatura de horror.

Falando em olhos, o conto seguinte chama-se Os Olhos da Múmia. O autor Robert Block consegue a proeza de pegar um dos temas mais desinteressantes do gênero horror (bom, eu não gosto de múmias!) e montar uma trama surpreendente, provando que quando o escritor é bom, consegue tirar leite de pedra.

O Cálice de Ouro (não tem nada a ver com Harry Potter, rs), de Frank Gruber, acaba se revelando bem clichêzenta. Embora eu não possa criticar esse fato (oras, clichês não faltam em muitos dos contos que elogiei até aqui, sem contar o fator antiguidade), o problema é que o lugar-cumum desta história acaba não funcionando a contendo. Dispensável.

O Soro da Vida, de Paul S. Powers, narra as estranhas experiências de dois cientistas que tentam enganar a morte. No plano sobrenatural tudo parece se encaminhar bem, mas é uma pena que um mal muito mais terreno possa por tudo a perder. Legalzinho.

Tally Mason trás uma história sucinta que arrepia cada pelinho do braço, chamada O Último Disparo. Um andarilho expulso de um vagão de trem vai pedir ajuda em uma casa, onde é recebido por estranhos moradores. Novamente um clichê, mas que ao contrário de O Cálice de Ouro, aqui ele funciona.

O Preço da Cabeça é meu segundo conto favorito da obra. O autor, John Russel, conduz com maestria a estranha fidelidade que um nativo polinésio demonstra por seu amigo, um branco que há muito perdeu tudo que tinha e se entregou à bebida. Com ironia afiada, a história se desenrola lentamente, quase como as ondas das praias onde boa parte do conto se passa, para chegar ao desfecho absolutamente macabro.

O último conto (putz, acabei falando de quase todos!) chama-se O Cérebro Morto, e revisita um tema já mostrado em um conto anterior (e não, não estou falando de O Cérebro no Frasco). A comparação é inevitável e a presente história sai perdendo, mas ainda assim é interessante por mostrar uma abordagem diferente do mesmo tema, fechando o volume com dignidade.

Enfim, embora não seja tão memorável quanto o primeiro volume, Os Mais Belos Contos Terroríficos dos mais Famosos Autores - Segunda Série ainda é uma das melhores antologias do gênero que tive o prazer de ler (e olha que li MUITAS). Caso você encontre, não deixe de adquirir esta preciosidade.

Grande abraço, boa leitura!

domingo, 10 de julho de 2011

Sugestão de Blog: SOBRE O MEDO

Boa noite, leitores. Hoje não tem resenha (prometo uma pra essa semana), mas tem algo ainda melhor. Descobri um blog com ensaios, resenhas, biografias e etc, tudo sobre literatura de horror. São dez colaboradores que manjam muito do assunto, com ensaios e resenhas fantásticas (bem melhores que as minhas, diga-se de passagem). Enfim, entrem lá e deliciem-se (mas não vão ficar por lá e me esquecer, vocês podem frequentar os dois blogs, eu deixo, ahauah).

O link é http://sobreomedo.wordpress.com/

Grande abraço, até breve.

domingo, 3 de julho de 2011

EU SOU A LENDA, de Richard Matheson


Olá, leitores. Faz tempinho que não posto nada aqui, hein? Shame on me! Bom pretendo mudar isso nas próximas semanas, e tentar fazer ao menos uma postagem por semana. E para enriquecer nossa tenebrosa biblioteca, trago hoje aquele que é, na minha modesta (que de modesta não tem nada) opinião, o melhor livro de vampiros já escrito: Eu Sou a Lenda, do fabuloso escritor Richard Matheson.

"Mas peraí um pouquinho!", esbraveja o leitor apressado, "isso aí não é a história que deu origem aquele filme com o Will Smith, que até começa bem, mas cuja metade final é piegas e idiota ao extremo?". Sim, de fato o filme com nosso eterno Fresh Prince se baseia no livro, mas Matheson não tem qualquer culpa por Hollywood ter estragado mais uma grande história.

A edição mais recente foi publicada pela editora Novo Século, trazendo na capa a arte do filme citado acima e também outros contos do Matheson de lambuja (porém, ao contrário de O Incrível Homem que encolheu, que também trazia histórias curtas, nenhum dos contos aqui me pareceu digno de nota). Bem antes disso, o livro foi publicado pela Editora Francisco Alves com duas capas, uma é aquela que está lá em cima, a outra segue abaixo, com um título diferente (mas o livro é exatamente o mesmo).



Provavelmente, o título diferente serviu para pegar carona na adaptação cinematográfica do mesmo livro feita em 1971. Sim, o manuscrito teve outras adaptações cinematográficas além da versão com Will Smith, sendo que a primeira foi Mortos que Matam (64) com Vincent Price. Contudo, adaptações cinematográficas ruins à parte, falemos do livro por enquanto.

Como é comum nas histórias de Matheson, Eu Sou a Lenda já começa de maneira instigante; somos apresentados a Robert Neville, que vive uma rotina de aparente isolamento em uma cidade abandonada; ele está averiguando os estragos feitos em sua casa/fortaleza durante a noite, e ocupa-se em consertar tudo rapidamente, antes do pôr do sol. Logo, descobrimos o porquê dele precisar agir apressadamente durante o dia, arrumando suas defesas e partindo em perigosas expedições em busca de mantimentos: o mundo foi povoado por vampiros e, pelo que tudo indica, ele é o último ser-humano da face da Terra.

A história é narrada de uma maneira lenta, mas nunca desinteressante, mostrando a rotina de um sobrevivente, a luta diária (e noturna) de Robert Neville. Aos poucos, vamos descobrindo o que aconteceu para o personagem chegar aquela situação, e nesses pontos a história ganha sua força, por mostrar explicações perfeitamente coerentes (com a trama) para a existência de vampiros. Tudo é bem explicado, a alergia deles ao alho, a intolerância à luz do sol e, principalmente, a sede por sangue. Ok, ok, vocês já devem ter lido muitos livros ou assistido muitos filmes que também tinham explicações para esses aspectos, mas é provável que essa história tenha sido uma das pioneiras (o livro é de 1954). Mesmo que não tenha sido, é o que tem as melhores explicações de todos os que eu li, sem didatismo, tudo com a sutileza dos grandes mestres do fantástico.

Mas é claro, tudo isso ainda seria insuficiente para tornar este livro uma obra-prima, mas aqui entra o grande trunfo do mestre Matheson: o terror psicológico. Assim como no maravilhoso O Incrível Homem que Encolheu, o autor esmiuça tudo que um ser-humano sentiria em uma situação de total desesperança, medo e isolamento. Ao contrário de um náufrago, que sempre tem a esperança de ser resgatado e voltar para junto de seus semelhantes, Robert Neville SABE que é o último homem existente, o que trás questionamentos interiores soberbamente interessantes, tornando-o um personagem inesquecível. Existe um capítulo no livro que é absolutamente tocante (que poderia ser considerado spoiler, então vou escrever em outra fonte. Se não quiser saber, pule o parágrafo escrito em azul!): a praga que dizimou humanos também dizimou os outros mamíferos (ou então os vampiros acabaram com todos, não lembro bem), mas surpreendentemente, Robert avista um cão zanzando pelas redondezas; quase enlouquecido de solidão, o personagem tenta fazer amizade com o bicho, que foge apavorado; depois disso, acompanhamos todo o esforço de Robert para atrair o animal, que seria uma companhia de valor incalculável naquele mundo vazio. O suspense e o sentimento de piedade desse trecho são quase insuportáveis, e o desfecho... bem, você terá que ler para descobrir.

Os vampiros do livro são muito diferentes do vampiro elegante e sedutor, mais conhecido por todos, mas também diferentes dos vampiros bestiais e selvagens do filme homônimo (ou de outras obras recentes, como Noturno ou A Passagem (aguarde resenha deste para o futuro); pode-se dizer que os vampiros de Eu Sou a Lenda são quase um híbrido entre vampiros e zumbis, pois não são muito inteligentes nem muito rápidos, mas ainda se comunicam e suas características principais são, claramente, de vampiros.

O melhor do livro é a parte final, onde Richard Neville descobre uma inconveniente verdade e, sem remédio, faz aquilo que julga necessário em um clímax estupendo (e só um bilhão de vezes melhor que o clímax estúpido do filme).

Eu Sou a Lenda é isso: isolamento, questionamentos interiores, suspensente, terror e um final que deixará uma impressão duradoura. Mais um que é apenas obrigatório.

Abraços, e até breve (prometo!).

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O PACTO, de Joe Hill


Mais um livro do filhote de Stephen King saiu no Brasil. Depois do inconstante A Estrada da Noite (que começa bem, mas se perde após a metade final) e do excelente Fantasmas do Século XX (cuja resenha pode ser conferida aqui), a editora Sextante trás o ótimo O Pacto, sobre um homem que se transforma... no diabo!

Premissas que flertam com o realismo mágico ou a simples fábula são uma constante na obra de Joe Hill, que nos presenteia com uma obra que não fará muito sentido para o leitor comum, mas agradará em cheio os fãs do horror. A trama, sem muitos spoilers, é mais ou menos a seguinte: o azarado Ignatius Perrish acorda um belo dia com chifres na cabeça; deixando as piadinhas de lado (embora acabe sendo revelado que ele foi corneado mesmo, he he), o atônito personagem descobre que seus novos adereços causam um estranho efeito nas pessoas: elas revelam seus piores pecados e mais obscuros desejos, como se estivessem conversando com seu demônio interior. Assim, Ig (apelido carinhoso do personagem) é obrigado a escutar os maiores horrores de seus amigos e parentes, descobrindo aquilo que as pessoas que mais confiava pensam dele... ou pior, fizeram para ele. Com uma recente tragédia em seu passado (sua namorada foi estuprada e morta, e ele foi um dos principais suspeitos no início), o ressentimento que era mantido nas profundezas por todos à sua volta acaba vindo à tona, com consequências literalmente infernais como, por exemplo, descobrir quem é o verdadeiro assassino.

Nesse livro, a escrita de Joe Hill está mais próxima da de seu papi, alternando passagens no presente com a pré-adolescência de Ig, sua relação com a (apaixonante) namorada Merrin e com seu estranho amigo Lee. Particularmente, gosto bastante dessa estrutura (conhecemos os personagens quando já estão bem avançados na trama, então a história volta e ficamos sabendo como eles se conheceram e de que forma a situação os levou até ali), acho que é uma forma muito válida de despertar curiosidade no leitor. Hill constrói os momentos nostálgicos com maestria, quase lembrando a genialidade com que seu pai constrói personagens infantis (vide A Coisa, O Iluminado, A Hora do Vampiro, O Talismã e tantos outros), mas ainda com um estilo próprio e marcante. Joe Hill não é tão engraçado ou detalhista, sua ironia pontua frases muito mais sucintas e, talvez, mais elegantes, recheadas de citações à cultura pop. Seus personagens lembram mais o estilo Neil Gaiman, calados e pouco expressivos, mas que conseguem ser carismáticos mesmo sendo discretos, nunca rasos, sempre bastante ambíguos.

Mesmo que esteja, de certa forma, se "transformando no demônio" e dando vazão ao seu lado obscuro (inclusive com uma hilariante cena envolvendo uma avó e uma cadeira de rodas), Ig continua sendo o (anti?) herói da história, lutando para fazer justiça à amada morta, embora não saiba se ela foi uma pessoa muito boa em seus dias derradeiros. O vilão (que não posso revelar aqui) é um dos personagens mais interessantes que vi nos últimos tempos, o perfeito psicopata frio e sedutor, que está sempre um passo a frente dos demais. Entrou pra minha galeria de vilões favoritos.

O Pacto não é um livro exatamente de horror, talvez seja mais uma fantasia sombria, com momentos de refinadíssimo humor negro, tensão, revolta e um ou outro trecho legitimamente assustador (um em especial, envolvendo uma casa de árvore e um altar pagão, me deu calafrios). O dúbio clímax do livro é um dos mais satisfatórios que li nos últimos tempos, do tipo que não seria aprovado pela Liga das Senhoras Católicas, mas que agradará você, leitor pronto para histórias que cruzam as fronteiras da moral e dos bons costumes, he he. Enfim, fica mais uma dica para quem está afim de uma obra diferenciada, até um pouco difícil de enquadrar, mas que agradará em cheio os fãs da ficção de terror.

Abraços, boa leitura.

sábado, 29 de janeiro de 2011

GEOGRAFIA DOS MITOS BRASILEIROS, de Luís da Câmara Cascudo


Hoje, trago algo diferente para vocês, caros leitores. Não é um romance nem um livro de contos, embora haja uma infinidade de histórias maravilhosas dentro de suas páginas. Trata-se de Geografia dos Mitos Brasileiros, de Luís da Câmara Cascudo (Global Editora).

Cascudo é, talvez, o mais famoso estudioso do folclore brasileiro. Jornalista, advogado, antropólogo e outros títulos mais, o incansável aficionado por nossas lendas e costumes publicou uma infinidade de textos e livros sobre o assunto... Digamos assim: se você vai escrever qualquer coisa sobre mitos brasileiros, as obras de Cascudo são tão indispensáveis quanto uma bíblia seria para alguém que fizesse uma tese sobre Adão e Eva.

Dentre as obras desse mestre, está o fantástico Geografia dos Mitos Brasileiros, que trata especificamente dos nossos... monstros! Sim, meus amigos, este é um livro que trata de sacis, curupiras, boitatás, mulas-sem-cabeça, lobisomens e mais uma infinidade de criaturas menos conhecidas (mas não menos assustadoras), como o Chibamba, a Alma de Gato, o Gorjala, Alamoa, o Arranca-Língua, a Anta-Esfolada, etc e etc.

De linguagem fácil e prosa gostosa, Cascudo expõe a VERDADEIRA riqueza das lendas brasileiras, sem cair no ufanismo imbecil de quem apenas diz "temos que valorizar a nossa cultura", mas não consegue diferenciar um Saci de um Curupira. Assim, o leitor desavisado que acha que a Cuca foi invenção do Monteiro Lobato, ou pensa que nossas lendas são pobres em comparação com as estrangeiras (como a européia cheia de Elfos e Ogros, os vampiros vindos de todo o mundo, etc) fica chocado e maravilhado com a multiplicidade de detalhes interessantíssimos e, muitas vezes, aterrorizantes de nossos fantasmas e monstruosidades, que tiveram influência não apenas dos índios, mas também dos portugueses, negros e de todos os povos que colonizaram essa pátria amada (e muitas vezes odiada) por todos nós.

Por exemplo, vocês sabiam que em Minas Gerais, as mães costumavam (e talvez algumas ainda costumem) ameaçar os filhos, dizendo que à noite eles poderiam ser visitados por uma criatura chamada Mão de Cabelo? Essa entidade enfia a mão por debaixo das cobertas e confere se o menino está seco ou se fez xixi na cama, e caso esteja molhado, o bicho CORTA O PÊNIS da criança!!!! Meo Deos, se eu fosse uma criança mijona, creio que teria precisado de anos de terapia para me recuperar dessa histórinha :(

Sabiam também que o conhecido demônio dos índios conhecido como Anhangá era, na verdade, um deus mais adorado que Tupã? Porém, com a chegada dos portugueses e com a catequização, a igreja católica transformou uma divindade maior dos índios (Anhangá) em um verdadeiro demônio, e alçou Tupã (um deusinho mequetrefe) a uma categoria maior, visando assim facilitar os indigenas para o cristianismo? Estou simplificando aqui, mas é basicamente isso... e agora você já sabe, TUPÃ NÃO É DE NADA E ANHANGÁ DETONA, e o contrário é intriga da oposição, hauahaua!

E outra, já ouviram falar que, além de uma mula-sem-cabeça (que é no que se transforma a mulher que dorme com um padre), também temos um cavalo-sem-cabeça, que é nada mais, nada menos, o padre que falta com sua promessa de castidade! Uma injustiça corrigida com as pobres moçoilas seduzidas pelos galãs de batina (só faltou um monstro em que deveriam se tornar os padrecos pedófilos, mas vamos dar tempo ao tempo).

Cascudo colheu muitas informações direto da fonte, ou seja, ouvindo causos de ribeirinhos, caboclos e de uma miríade de pessoas que vivem nos mais isolados cantos do Brasil. Assim, dá-lhe histórias fantásticas contadas por pessoas que realmente acreditam que viram uma serpente gigante passando pela sua fazenda durante a noite, ou que juram que foram atacadas por um lobisomem durante um passeio noturno! Histórias de arrepiar, que não fariam feio em volta de uma fogueira.

Impressiona ver como muitos mitos se confundem ou mudam de uma região para outra; assim, o curupira de pés virados muitas vezes é cunfundido com Caapora ou Caipora, que pode ser uma índia bonitinha ou um monstro também de pés virados. Nossas criaturas são multifacetadas, mudando completamente de aparência e costumes de um lugar para o outro!

Diante de tantas informações, fica a pergunta: porque é que nossos mitos são tão pouco aproveitados? Se os mitos europeus permeiam uma infinidade de livros de fantasia e horror, por que cargas d'água nossas lendas são pouquíssimo utilizadas na literatura adulta? Sim, eu sei que existem alguns livros com histórias sobre o assunto, mas a influência estrangeira ainda é muito mais forte, mesmo entre os autores brasileiros (não é uma crítica, só uma constatação). Bem, eu tenho algumas teorias sobre o porquê disso acontecer, mas não cabe dizer agora. Portanto, fica a dica para aqueles que querem conhecer os monstros brasileiros, que poderiam ser muito bem utilizados em livros de terror ou fantasia. Também não estou falando mal dos livros que utilizam criaturas de outras culturas (o que seria muito hipócrita, já que eu AMO esse tipo de livro), estou apenas dizendo que nossas monstruosidades TÊM POTENCIAL PARA CONTOS, LIVROS TÃO BONS QUANTO! Sem ufanismo provinciano e burro, apenas digo que há espaço TAMBÉM para nossas lendas na literatura, que podem dividir as prateleiras com nossos amados livros sobre vampiros, dragões, bruxas e toda a fauna estrangeira que estamos acostumados. Basta saber usar e fazer boas histórias utilizando nossos monstrinhos! Material pra isso existe, e o livro Geografia dos Mitos Brasileiros é um bom referencial. Fica a dica para quem quiser tirar a prova.

Abraços, boa leitura!