quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Entrevista: L.F. Riesemberg


Para quem acompanha a Biblioteca Mal-Assombrada, nosso primeiro entrevistado dispensa apresentações. Escritor vencedor de vários concursos litetários e autor do excelente Grafias Noturnas, nosso eventual colaborador aceitou responder as perguntas deste bibliotecário que vos fala (e não esqueça de participar do concurso que ele está organizando, clique aqui e veja as instruções). Sem mais, a entrevista!

Olá, Riesemberg. Seja bem vindo à primeira entrevista da Biblioteca Mal-Assombrada! Puxe um banco e relaxe. Sim, pode tirar o esqueleto dessa cadeira, ele não vai se importar. E então, alguma coisa mudou em sua vida após o lançamento de Grafias Noturnas?

Sim e não. Por um lado eu me sinto aliviado por finalmente ver meus contos sendo lidos por tanta gente, mas ao mesmo tempo não consigo parar de pensar em lançar mais um livro, que deve ser maior e melhor que o primeiro.

Fale um pouco sobre seus projetos futuros.

Já estou trabalhando no primeiro conto pós-Grafias Noturnas, e me divertindo muito, brincando com metalinguagem. Provavelmente estarei com uma quantidade razoável de histórias para lançar mais um livro daqui alguns meses.

Quando iremos ler um romance de L.F. Riesemberg?

Isso eu também quero saber. A ideia era fazer com que esse fosse meu próximo projeto, mas sinto que ainda tenho muitos contos querendo sair da minha cabeça para mergulhar no papel. Além disso, não acho que já esteja preparado para um trabalho assim, que exige muito mais tempo e cuidado. Se for para lançar um romance, eu mesmo vou ter que achar que ele está ótimo, e minha críticas são muito severas.

O conto O Botão parece inspirado em Button, Button, de Richard Matheson, mas a história segue um rumo diferente. Às vezes, quando você está lendo uma história ou vendo um filme, sua mente começa a viajar em desdobramentos diferentes daqueles mostrados na trama, e a partir disso você tem idéias para novos contos? (Faço essa pergunta por que isso acontece comigo...)

Na verdade, a respeito de O Botão, eu me inspirei no episódio de Além da Imaginação que por sua vez foi baseado no conto que você mencionou. O assisti quando eu tinha uns 7 anos de idade, e aquela história foi tão forte para mim que eu ainda me lembrava vinte anos depois. Escrevi o conto quando precisava enviar para um concurso literário e estava sem ideias. Horácio Quiroga diz que, no início da carreira, não é pecado copiar algum mestre. O próprio Richard Matheson, ao escrever Button Button, se inspirou fortemente em A Pata do Macaco. Na época eu estava nesta fase, de copiar os mestres, mas hoje sinto que já não uso referências tão óbvias para escrever. Ah, sim, e O Botão ficou com o primeiro lugar daquele concurso.

O Balanço é um conto sobre amadurecimento e fim da infância. Você acha que, para ser escritor, é preciso manter um pouco da infância ainda viva?

Totalmente. Pelo menos o escritor deste gênero literário que eu me proponho a seguir. Quando estou escrevendo, não estou fazendo nada além do que eu já fazia na infância, que era brincar, criando todos os dias novos heróis e diferentes histórias.

Riesemberg exercitando seu lado infantil. Só não dá pra ver a fila de crianças chorosas esperando a vez.

A Lei de Lavoisier (Aplicada à Arte) trata de temas interessantes para quem é escritor. Conte-nos um pouco sobre as frustrações da arte da escrita, que você expôs nessa história. Aproveite para falar sobre o processo criativo, da ideia até a execução.

Eu escrevi esta história justamente como uma justificativa para as críticas que eu imaginei que receberia depois que notassem as semelhanças entre A Cápsula do Tempo e o início do filme Presságio. Escrevi aquela história em 2004 (e ganhei um prêmio por ela em 2005), e o filme é de 2009, mas as pessoas são bem incompreensivas neste aspecto. Não é raro um escritor criar uma história muito parecida com alguma que ele nem sabe que já existe. É por isso que temos que ler, ler e ler, conhecendo cada vez mais autores, principalmente os clássicos, para não sofrer este problema. A Lei de Lavoisier trata principalmente de literatura em vários aspectos (da criação ao mercado editorial) e aproveitei para homenagear as bibliotecas e algumas obras que gosto muito. Sobre o meu processo criativo, eu diria que é constante. É claro que há fases em que não escrevo, mas quando estou voltado para isso, eu aproveito qualquer tipo de interferência (uma conversa na rua, o trecho de um filme, uma música) para originar uma ideia. Depois eu a anoto em um caderno de rascunhos que mantenho em meu quarto, e mais tarde ela pode se transformar em uma nova história.

Como você faz para lidar com eventuais “becos sem saída” em seus contos? Já teve algum obstáculo em um conto que estava escrevendo, que se revelou intransponível?

Quando me vejo em uma situação destas, não vejo outra alternativa senão recomeçar tudo do zero. Eu faço uma grande crítica ao Stephen King porque ele não é assim. Quem leu Christine deve ter estranhado o fato de o livro começar em primeira pessoa e depois passar para a terceira voz. Aparentemente, depois de escrever dezenas de capítulos, o autor percebeu que não dava para continuar narrando daquela forma, e mudou tudo, sem dar explicações ao leitor. Se fosse comigo eu teria jogado tudo no lixo e recomeçado o romance, por mais que isso demorasse. Isso já aconteceu comigo dezenas de vezes. O próprio A Lei de Lavoisier era para ser bem diferente. Eu já havia escrito páginas e mais páginas, mas chegou a um ponto que eu disse: “Isso aqui está ficando chato!”. Então recomecei a escrever a história, mudando todo o direcionamento. E o resultado você conhece.

A Presa e o Predador parece ser um conto bastante pessoal. Você acha que pensamentos negativos, como os do personagem principal, podem trazer algum tipo de consequência no futuro?

É claro que sim. Pensamentos negativos atraem coisas negativas, e vice-versa. Este conto é, entre outras coisas, sobre a imprevisibilidade do ser humano. Alguém pode até ser frágil e introspectivo, mas pode se transformar em um monstro quando acuado, se ficar alimentando ideias fixas. Temos notícias de tantos adolescentes que, sofrendo sucessivamente o chamado bullying, acabam explodindo, atacando seus colegas com armas de fogo e promovendo verdadeiros massacres dentro de escolas. Pode ter certeza que, antes de tomarem esta atitude, eles ficaram muito tempo alimentando pensamentos destrutivos, querendo vingança, sofrendo em silêncio.

Quando escreveu Eu Não Matei Charles Bronson, você não ficou temeroso de ofender alguém? Afinal, o conto é um soco no estômago do leitor...

Esse foi meu primeiro conto, escrito em 2003, com o qual recebi Menção Honrosa, o que me animou a continuar escrevendo. A versão original era ainda mais suja, cheia de palavrões. Tive que substituí-los por ordem da editora, que previa um livro mais leve. Na verdade esse conto não veio para ofender, e sim para homenagear. Charles Bronson havia morrido naquela semana, e eu fiquei muito chateado por não ter assistido a uma memorável participação dele em algum filme do Quentin Tarantino, como despedida da sua carreira no cinema. Assim, resolvi eu mesmo criar uma história que soasse como um de seus filmes, na qual ele surgisse como um verdadeiro deus. Hoje percebo que as pessoas têm interpretado esse meu trabalho como uma crítica à violência na televisão. Antes da publicação no livro eu também alterei alguns pontos para estabelecer outro tipo de crítica: às pessoas que acreditam que, para se acabar com a violência, é necessário ser ainda mais violento. A existência da pena de morte para acabar com a violência é de uma ironia muito espontânea, e não pude deixar de incluir esta visão na versão final.


"Ah, se você não tivesse escrito uma história boa sobre mim!"

Você acha que a violência na mídia (seja em livros, filmes, jogos, programas de TV, etc) pode ter alguma influência sobre a violência no mundo real?

Dependendo da forma como ela for abordada, sim. E também depende muito da mentalidade do público. Os artistas devem ter liberdade para usá-la em suas obras, mas de forma responsável. A arte deve ser usada justamente para tornar o mundo mais pacífico, e não mais violento. Há obras que incitam à violência, e outras que são violentas justamente como forma de crítica. O problema é que em muitas vezes o público não sabe diferenciá-las.

Como escritor, você deve receber eventuais críticas negativas. Imagino que algumas sejam construtivas, enquanto outras podem ser descartadas. Como você faz para separar o joio do trigo?

O maior crítico do meu trabalho sou eu mesmo. Quando alguém me aponta algum erro, geralmente eu mesmo já tinha percebido. Mas eu também procuro entender que há pessoas e pessoas, e fulano pode adorar o conto X e detestar o Y, quando outra pessoa pode ter uma opinião extremamente oposta. Sempre encaro todas as visões de forma muito tranquila. Inclusive eu adoro ouvir o que meus leitores têm sinceramente a dizer sobre o que leram, pois isso me ajuda muito na hora de escrever.

Alguma crítica já te deixou especialmente chateado? E aproveitando, quais foram os comentários que te deixaram mais feliz?

Sinceramente, praticamente 100% dos comentários que tenho ouvido têm me deixado muito feliz. Isso ainda é pouco, mas faz com que eu me mantenha motivado a procurar escrever cada vez mais e melhor.

Por mais que os contos sejam ficcionais, sempre dá pra perceber algumas opiniões dos autores inseridas em suas histórias. Por exemplo, após a leitura de Gata Rainha, podemos afirmar que você gosta de gatos. O gosto por gatos (e animais em geral) parece ser bastante comum entre os escritores de horror e fantasia (vide Stephen King, H.P Lovecraft, Neil Gaiman, etc). Tem alguma teoria sobre isso?

Adicione Ray Bradbury e a nossa Giulia Moon nessa lista. Bem, eu adoro gatos. Acho que eles têm muito a ver comigo, pois sou silencioso e observador. Acredito que a maioria dos escritores também seja assim, então a sintonia com os felinos é grande. Além disso, os gatos são portadores de vários segredos. Qual é o fã de histórias fantásticas que não vai se deixar fascinar-se por eles?

Siamês lendo o livro de L.F.Riesemberg, seu humano de estimação.

Qual sua dica para os escritores iniciantes?

Ler muito, e escrever sempre. Se você amar o que faz, e fizer o que ama, não precisa de dica alguma.

Pergunta final: se você encontrasse o Necronomicon, você o leria? (Temos um exemplar guardadinho aqui no cofre da Biblioteca...).

Do jeito como eu adoro ler, é claro que sim. Talvez fosse o último livro que eu leria, mas deve haver muita coisa interessante nele.

Bem, essas foram as perguntas (ouvem-se aplausos vindos dos cantos escuros). Obrigado por sua paciência e boa sorte em seus projetos!

Foi um prazer conhecer esta biblioteca cheia de morcegos e teias de aranha. Espero poder visitá-la outras vezes, em breve. Agora vamos embora, pois o esqueleto quer sentar aqui novamente para continuar sua leitura. Um abraço!

"Finalmente se tocou!"

2 comentários:

  1. Muito boa entrevista, Mário. Agora fiquei curiosíssimo. Qdo for possível, adquiro esta seleta.

    ResponderExcluir
  2. Adorei a entrevista, alias foi boa e informativa, esclareceu alguns pontos que tinha ficado pensando sobre alguns contos.

    Boa semana!

    ResponderExcluir