sábado, 29 de janeiro de 2011

GEOGRAFIA DOS MITOS BRASILEIROS, de Luís da Câmara Cascudo


Hoje, trago algo diferente para vocês, caros leitores. Não é um romance nem um livro de contos, embora haja uma infinidade de histórias maravilhosas dentro de suas páginas. Trata-se de Geografia dos Mitos Brasileiros, de Luís da Câmara Cascudo (Global Editora).

Cascudo é, talvez, o mais famoso estudioso do folclore brasileiro. Jornalista, advogado, antropólogo e outros títulos mais, o incansável aficionado por nossas lendas e costumes publicou uma infinidade de textos e livros sobre o assunto... Digamos assim: se você vai escrever qualquer coisa sobre mitos brasileiros, as obras de Cascudo são tão indispensáveis quanto uma bíblia seria para alguém que fizesse uma tese sobre Adão e Eva.

Dentre as obras desse mestre, está o fantástico Geografia dos Mitos Brasileiros, que trata especificamente dos nossos... monstros! Sim, meus amigos, este é um livro que trata de sacis, curupiras, boitatás, mulas-sem-cabeça, lobisomens e mais uma infinidade de criaturas menos conhecidas (mas não menos assustadoras), como o Chibamba, a Alma de Gato, o Gorjala, Alamoa, o Arranca-Língua, a Anta-Esfolada, etc e etc.

De linguagem fácil e prosa gostosa, Cascudo expõe a VERDADEIRA riqueza das lendas brasileiras, sem cair no ufanismo imbecil de quem apenas diz "temos que valorizar a nossa cultura", mas não consegue diferenciar um Saci de um Curupira. Assim, o leitor desavisado que acha que a Cuca foi invenção do Monteiro Lobato, ou pensa que nossas lendas são pobres em comparação com as estrangeiras (como a européia cheia de Elfos e Ogros, os vampiros vindos de todo o mundo, etc) fica chocado e maravilhado com a multiplicidade de detalhes interessantíssimos e, muitas vezes, aterrorizantes de nossos fantasmas e monstruosidades, que tiveram influência não apenas dos índios, mas também dos portugueses, negros e de todos os povos que colonizaram essa pátria amada (e muitas vezes odiada) por todos nós.

Por exemplo, vocês sabiam que em Minas Gerais, as mães costumavam (e talvez algumas ainda costumem) ameaçar os filhos, dizendo que à noite eles poderiam ser visitados por uma criatura chamada Mão de Cabelo? Essa entidade enfia a mão por debaixo das cobertas e confere se o menino está seco ou se fez xixi na cama, e caso esteja molhado, o bicho CORTA O PÊNIS da criança!!!! Meo Deos, se eu fosse uma criança mijona, creio que teria precisado de anos de terapia para me recuperar dessa histórinha :(

Sabiam também que o conhecido demônio dos índios conhecido como Anhangá era, na verdade, um deus mais adorado que Tupã? Porém, com a chegada dos portugueses e com a catequização, a igreja católica transformou uma divindade maior dos índios (Anhangá) em um verdadeiro demônio, e alçou Tupã (um deusinho mequetrefe) a uma categoria maior, visando assim facilitar os indigenas para o cristianismo? Estou simplificando aqui, mas é basicamente isso... e agora você já sabe, TUPÃ NÃO É DE NADA E ANHANGÁ DETONA, e o contrário é intriga da oposição, hauahaua!

E outra, já ouviram falar que, além de uma mula-sem-cabeça (que é no que se transforma a mulher que dorme com um padre), também temos um cavalo-sem-cabeça, que é nada mais, nada menos, o padre que falta com sua promessa de castidade! Uma injustiça corrigida com as pobres moçoilas seduzidas pelos galãs de batina (só faltou um monstro em que deveriam se tornar os padrecos pedófilos, mas vamos dar tempo ao tempo).

Cascudo colheu muitas informações direto da fonte, ou seja, ouvindo causos de ribeirinhos, caboclos e de uma miríade de pessoas que vivem nos mais isolados cantos do Brasil. Assim, dá-lhe histórias fantásticas contadas por pessoas que realmente acreditam que viram uma serpente gigante passando pela sua fazenda durante a noite, ou que juram que foram atacadas por um lobisomem durante um passeio noturno! Histórias de arrepiar, que não fariam feio em volta de uma fogueira.

Impressiona ver como muitos mitos se confundem ou mudam de uma região para outra; assim, o curupira de pés virados muitas vezes é cunfundido com Caapora ou Caipora, que pode ser uma índia bonitinha ou um monstro também de pés virados. Nossas criaturas são multifacetadas, mudando completamente de aparência e costumes de um lugar para o outro!

Diante de tantas informações, fica a pergunta: porque é que nossos mitos são tão pouco aproveitados? Se os mitos europeus permeiam uma infinidade de livros de fantasia e horror, por que cargas d'água nossas lendas são pouquíssimo utilizadas na literatura adulta? Sim, eu sei que existem alguns livros com histórias sobre o assunto, mas a influência estrangeira ainda é muito mais forte, mesmo entre os autores brasileiros (não é uma crítica, só uma constatação). Bem, eu tenho algumas teorias sobre o porquê disso acontecer, mas não cabe dizer agora. Portanto, fica a dica para aqueles que querem conhecer os monstros brasileiros, que poderiam ser muito bem utilizados em livros de terror ou fantasia. Também não estou falando mal dos livros que utilizam criaturas de outras culturas (o que seria muito hipócrita, já que eu AMO esse tipo de livro), estou apenas dizendo que nossas monstruosidades TÊM POTENCIAL PARA CONTOS, LIVROS TÃO BONS QUANTO! Sem ufanismo provinciano e burro, apenas digo que há espaço TAMBÉM para nossas lendas na literatura, que podem dividir as prateleiras com nossos amados livros sobre vampiros, dragões, bruxas e toda a fauna estrangeira que estamos acostumados. Basta saber usar e fazer boas histórias utilizando nossos monstrinhos! Material pra isso existe, e o livro Geografia dos Mitos Brasileiros é um bom referencial. Fica a dica para quem quiser tirar a prova.

Abraços, boa leitura!

7 comentários:

  1. Há quanto tempo, heim? Não sabia que tinhas um blog novo, e não sei bem como cheguei nele, rs.
    Nunca vi nada demais no folclore daqui, e chego a fazer piadas internas comigo mesma imaginando como seria um universo mágico baseado na cultura européia (A terra média, de Tolkien), se fosse feito tendo como princípio o folclore brasileiro, visivelmente desprezando nossa tradição. Perdão, pois a informação que a sociedade nos passa de, como você disse, simplesmente gostar da "nossa" cultura, só nos faz rir.
    Mas sob a ótica de um escritor com bom gabarito como o senhor Cascudo, vale a pena se aprofundar no tema. Não pude deixar de compará-lo com os irmãos Grimm, fazendo o grande acervo oficial dos mitos de sua terra. Comprarei assim que possível, realmente estou interessanda, e espero mudar meus conceitos ignorantes em relação ao assunto.
    Muito obrigada pela dica, e braço, Mario.

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  2. De nada, Monique. Eu entendo perfeitamente seus questionamentos, pois pensava mais ou menos por aí há algum tempo atrás (bem, há algum tempo atrás, achava que era impossível haver um livro de terror ecrito por um brasileiro, já que esse tema me parecia muito mais adequado para os Stephen Kings e Lovecrafts da vida, e olha só como eu estava enganado).

    Sabe, eu acho que daria para fazer um excelente livro nesses moldes que você falou, baseado no folclore brasileiro. O que acontece é que esses escritores europeus não reproduzem exatamente as lendas em seus livros, eles não se atém inflexivelmente à tradição, eles inventam em cima, eles enriquecem a narrativa, mudam uma coisa aqui e outra acolá, sem perder a essência, enfim... eles não olham para o folclore deles com o mesmo protecionismo que nós costumamos olhar para o nosso, de acharmos que não se pode mudar muito, que não se pode sair da cartilha do (excelente, é claro) Monteiro Lobato e de outros autores infantis, estes últimos muitas vezes contando sempre as mesmas histórias sempre e sempre e sempre (o que, de fato, queima ainda mais o filme dos nossos mitos).

    A gente precisa deitar e rolar em cima, precisa esticar, mudar, ampliar, estender e, até mesmo (e muitas vezes, principalmente), subverter as regras quando for necessário, até que fique algo legal. Será que foi fácil para Tolkien pegar a lenda dos elfos fofinhos e transformá-los em caras durões, altos (como eram nas lendas originais, segundo ele), que chutavam bundas nas batalhas? Ele teve que criar muita coisa e combater a idéia que as pessoas de sua época faziam dos elfos, sem medo de ser feliz, e é isso que acho necessário por aqui. Também não se pode perder a essência, mas dá pra inventar muita coisa em cima sim. Ah, e também pode-se criar coisas novas, novos seres, coisas nossas. Não é tarde demais para se criar novos mitos, mas alguma coisa que reflita nossa cultura, e não a estrangeira. Seria bem interessante, creio eu.

    Vou fazer a resenha de um livro excelente que trata sobre temas folclóricos, mas que não é de terror: A Sombra dos Homens, de Roberto de Sousa Causo. O cara fez um legítimo "Sword and Sorcery" com índios e criaturas do nosso folclore, que faria bonito em uma coletânea junto com histórias do Conan ou de Elric, o Viking. Se puder, leia esse, creio que irá gostar.

    Grande abraço!

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  3. Pra você, que é tão especial, ofereço um presente. Pegue o selinho que fiz com todo amor para este blog encantador.
    http://susyramone.blogspot.com/2011/02/ofereco-este-mimo-para-todos-os-meus.html

    Bloody Kisses!

    Susy

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  4. Tem selinho pra vc! Espero que goste.
    http://diva-alternativa.blogspot.com/2011/02/selo-de-qualidade.html

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  5. Este livro também conta "causos", ou apenas trás informações sobre nossos monstrinhos, ou seja, é limitado como o Dicionário do Folclore Brasileiro?

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  6. Ainda não tinha visto esse texto aqui, muito bom, como sempre.

    Você chegou a resenhar A Sombra dos Homens? Eu não li, mas quero muito. Eu li e fiz a resenha da noveleta A Travessia, que retoma a saga que começou em A Sombra dos Homens, gostei muito também, se quiser conferir está no À LitFan.

    Sou apaixonada pelo folclore brasileiro, e pensando nisso que surgiu a ideia da coletânea pela Estronho, "Quando o Saci encontra os mestres do terror". Quem sabe venham daí alguns trabalhos bem legais sobre nosso folclore.

    Abraços e até mais.

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  7. Tânia, não resenhei A Sombra dos Homens não, pois não é terror, e sim fantasia... mesmo assim, tenho vontade de fazer uma resenha, tamanha a qualidade da obra e seu conteúdo... talvez faça algum dia. A Travessia é muito bom também.

    Essa coletânea promete! Se eu tivesse mais tempo, tentaria participar.

    Grande abraço.

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