sábado, 20 de novembro de 2010

ASSOMBRO, de Chuck Palahniuk


Olá, frequentadores deste humilde recinto. Hoje, trago uma sugestão um tanto diferenciada, que talvez não faça a cabeça dos leitores tradicionalistas, mas que certamente agradará aqueles que gostam de novas experiências. Experiências extremas, no caso... bom, ao menos em parte.

Diferentemente da maioria dos livros postados aqui na Biblioteca Mal-Assombrada, o livro Assombro (Editora Rocco) não é propriamente do gênero terror. De fato, é difícil classificar as obras do escritor Chuck Palahniuk, mais conhecido como autor do livro que deu origem ao filme Clube da Luta. Com estilo irônico, cru e extremamente crítico, Palahniuk desconstrói as bases da sociedade em meio a palavrões e fatos científicos asquerosos ou perturbadores, em livros que nunca deixam o leitor indiferente. É o caso da obra em questão, que narra a história de um grupo de candidatos a escritores, que nunca conseguiram colocar suas idéias no papel, quando vêem um anúncio no jornal falando de um "abrigo para escritores", onde eles poderão escrever suas pretensas obras-primas sem as distrações da vida em sociedade. O detalhe é que eles ficarão literalmente trancafiados no lugar, com mantimentos, dormitórios e sanitários, mas sem qualquer possibilidade de fuga. Assim, sonhando com a chance de finalmente concluirem seus escritos, eles aceitam se submeter ao auto-isolamento no lugar. Escondidos sob pseudônimos como "Estripado", "Alcaguete" e "Baronesa Congelada", cada um deles vai contando sua história no decorrer da trama, sendo que cada história constituí um conto independente (embora traga ecos para a trama em questão). Em resumo, temos aqui uma legítima mistura de livro de contos com romance.

Na trama principal que amarra os contos, os romancistas começam a questionar e desobedecer as regras do tal abrigo. Enquanto alguns pensam em tentar fugir, a maioria conclui que aquela é uma oportunidade única, pois assim que sairem de lá, poderão contar suas histórias para os jornais, lançar livros relatando o assunto, filmes, etc! Enfim, desejam ficar ricos explorando a própria desgraça, porém há um problema... lá dentro eles tem todo o necessário para sobreviver, inclusive alguns confortos, então a experiência deles não está dramática nem trágica o bastante! É aí que alguns deles resolvem apimentar as coisas, com resultados hora assustadores, hora hilários. Enfim, é uma espécie de sátira os reality shows e à exploração de histórias de sobreviventes de desastres (impossível não pensar nos 33 mineiros, por exemplo).

Porém, não é a trama principal que me motivou a fazer essa resenha, e sim um dos contos propriamente ditos. De fato, o primeiro conto do livro, uma história tão aterradora, tão repugnante e asquerosa, que eu duvido que alguém consiga ler e ficar indiferente (e quem disser o contrário estará apenas bancando o blasé). Estou falando de TRIPAS, a história contada pelo personagem Barão Estripado. Não posso falar muito da história sem estragar as surpresas, mas posso dar alguns detalhes que vão deixá-lo intrigado: é um conto que fala, basicamente, sobre formas inusitadas de masturbação, bem como algumas que deram errado (ou, no caso do personagem principal do conto, MUITO errado); o autor vai narrando a história e passando informações técnicas com uma habilidade que deixaria Michael Chrichton com inveja, sem nunca parecer didático; no final das contas, esse conto é praticamente um "torture porn", que lembra filmes como O Albergue ou Jogos Mortais, só que com um resultado muito mais retumbante.

Outra coisa que preciso contar é sobre a minha reação quando li o conto pela primeira vez, há cerca de seis anos atrás. Francamente, não sei se foi porque eu tinha acabado de jantar, ou se a sala que eu estava lendo era muito abafada (eu sei, eu sei, parecem desculpas esfarrapadas, rsrs), mas precisei parar duas vezes para conseguir ler este conto até o fim. É sério, senti tontura e ânsia de vômito só no primeiro terço da história, que é o mais leve; levantei da cadeira, fui dar uma volta lá fora, e voltei; o conto foi piorando, e novamente fiz o mesmo; parar de ler nem passou pela minha cabeça, eu precisava ver como acabava! Então voltei e fui lendo, e lendo, e parecia que a coisa não poderia ficar pior, mas ia piorando mais e mais e mais... enfim, quando acabou, eu estava bestificado como nunca tinha ficado antes ao ler um conto, e como nunca mais ficaria outra vez.

Eu não fui o único a ter reações com o conto. Quando o autor foi convidado para fazer a leitura das primeiras páginas de seu livro para platéias dos Estados Unidos, diversas pessoas se levantaram passando mal e foram embora, enojadas. Ah sim, é claro que passei a história para alguns conhecidos meus lerem; a maioria queria me matar, outros não conseguiram chegar até o fim. Porém, um detalhe interessante sobre o conto é que ele fala muito mais alto para os homens do que para as mulheres, já que é bem centrado no universo masculino (ou na mente masculina). Em resumo, muitas mulheres não se impressionam muito, mas algumas sim.

Resumindo, esse conto é uma das coisas mais intensas que já li e, provavelmente, que você também vai ter lido. O livro inteiro vale à pena só por causa desse conto, que não deveria ser o primeiro, mas o último, já que todos os outros perdem na comparação. Não o resto do livro seja ruim (na verdade é ótimo); porém, a comparação acaba sabotando todo o restante.

Há mais duas histórias dignas de menção: Dissertação, que é uma visão muito interessante e criativa sobre a lenda dos lobisomens, talvez seja um dos melhores contos que já li sobre os licantropos; e Balada Fervente, outro conto de horror gore que narra o que acontece quando um homem é fervido vivo (asqueroso, porém um tanto forçado e menos natural que as bizarrices de Tripas).

Enfim, um livro difícil de classificar, mas que possui uma das histórias mais FODA que já li. Talvez essa minha resenha seja prejudicial para quem ficou curioso, já que devo ter elevado suas expectativas às alturas (e quando ficamos com grande expectativa, a possibilidade de nos decepcionarmos é grande), mas não consigo me segurar quando falo desse conto. Então, faça um favor a si mesmo e leia! Não me importo se você vier mentir que achou fraco ou que eu sou um maricas, ou que concorde comigo de cara. Apenas leia com o estômago na boca e respire aliviado quando chegar ao fim... isto se você conseguir chegar ao fim de Tripas.

Nem todo mundo consegue.

9 comentários:

  1. Tripas é realmente foda e incômodo. Seu título original é Guts, que também pode significar Coragem. E é disso que se precisa para lê-lo até o fim.

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  2. Verdade, Riesemberg! Não é um conto pra qualquer um não, mas quem quiser desafiar a si mesmo, precisa tentar ler essa pérola. Abraços!

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  3. Eu venho aqui e nunca comento.
    Mas amo muito.
    Quero ler Guts.e Tantos outros que tu nos mostra...
    bj

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  4. Fala Mario. Tá de volta né! Beleza. Vou tentar baixar esse livro e ler. Depois passo aqui para comentar.
    .
    Agora, lendo seu post me lembrei de um filme que eu vi e que me deixou assim ... chocado, embasbacado. No final eu não sabia se passava mal ou se admirava a profundidade da história.
    .
    O filme chama-se MARTYRS. É um filme francês que deixou todos os outros de terror, do gênero, no chinelo. Em todos os aspectos, e o pior não são as cenas e sim o clima de terror psicológico (algo que nenhum Torture-Porn conseguiu). Como você gosta de escrever, eu recomendo demais esse filme. Só no site ISMDB tem mais de 190 críticas positivas.

    Eu postei uma pequena resenha com fotos lá no blog do crime.

    abraço. Bruno

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  5. Acabei de ler o conto GUTS (TRIPAS).

    Achei um conto,digamos assim, diferente. Não entendi muito o porque de ter causado tanto espanto para o público. Sei lá, acho que já vi tanta nojeira nessa vida que não cheguei a embrulhar o estômago como eu havia imaginado. No entanto, esse sou eu. Se fosse o meu irmão eu tenho certeza que seria muito diferente.

    De qualquer forma, escatologicamente falando, a imaginação do autor é algo de surpreendente, as cenas são bem narradas e de fácil visualização.

    Gostei muito do primeiro trecho, é fantástico, nojento e ao mesmo tempo divertido. Gostei também do finalzinho do último. Putz, nesse ele realmente me pegou. :)

    Em resumo, é um conto intenso e para poucos lerem, por muitos motivos que me recuso a dizer abertamente :)

    Valeu a leitura.

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  6. Na verdade, sempre que uma sensação é bem narrada, nossa mente faz com que a sintamos em nosso corpo. Por exemplo, imagine-se em uma praia deserta, respirando uma agradável brisa e deliciando-se com seu drink favorito, enquanto a pessoa que você ama te faz uma deliciosa massagem nas costas. Logo esta agradibilíssima sensação passa para o seu corpo e voc~e fica relaxado, não fica? Agora, Guts faz justamente o contrário: descreve sensações inusitadas, as quais nem queremos imaginar, quem dirá senti-las! É isso que o torna tão incômodo. Mas além disso, é um texto muito bem escrito, porque foi a intenção do autor fazer com que o leitor perdesse literalmente o fôlego - algo que é comprovado pelas últimas linhas do conto. Ou seja: apesar de grotesca, é uma história de execução perfeita.

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  7. Acabei de ler "Tripas",realmente um ótimo conto,mas também não achei a história tão agoniante quanto fazem parecer.

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  8. Vamos apresentar 9 contos do ASSOMBRO no teatro nesse mês.
    14 - 15 - 16 de JUNHO
    20 e 22 hs
    GRATIS

    www.indac.com.br/teatro.

    Gadolin Marotte

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