domingo, 9 de maio de 2010

O LIVRO DAS CRUELDADES PARA OS QUE GOSTAM DE ANIMAIS, de Patrícia Highsmith


Quem já leu mais que uns 10 livros de horror e fantasia na vida já deve ter reparado uma coisa interessante: os autores desses gêneros parecem ser apaixonados por animais (principalmente gatos). A simpatia com que eles retratam os animais em seus romances e contos é evidente. Como exemplos mais significativos, consigo lembrar de H. P. Lovecraft, que tinha vários bichanos em sua casa e os tratou como heróis em À Procura de Kadath, onde o sonhador Randolph Carter é salvo por gatos em suas andanças oníricas, ou como vingadores de sua espécie no sinistro conto Os Gatos de Ulthar; Neil Gaiman, que parece ser do tipo que recolhe todo vira-lata que encontra na rua, retratou um gato preto como anjo guardião de sua família no magnífico O Preço (do livro Fumaça e Espelhos); Stephen King parece ser menos parcial, mas os animais de suas histórias nunca são mostrados com antipatia (e quando roteirizou o filme Olhos de Gato, fez questão de interligar as histórias com um bichano que, no final, salva Drew Barrimore de um Troll!). É claro que de vez em quando, King mostra animais como monstros, mas mesmo nesses casos os bichos são tratados com o respeito que merecem. No Brasil, Giulia Moon, Helena Gomes, L.F. Riesemberg e Martha Argel são os apaixonados por animais que me vêm à cabeça de imediato (a lista é extensa, paremos por aqui). Aliás, foi conversando sobre o assunto com Giulia Moon e Martha Argel que escutei uma interessante teoria sobre esse gosto por animais pelos autores de terror e fantasia: o escritor apaixonado pelo incomum precisa ser um observador, precisa olhar para fora de si e explorar o mundo com o fascínio de uma criança curiosa; os animais são fonte infinita de exotismo, maravilhamento e um toque de medo, já que muitos deles são bem assustadores, mas sempre apaixonantes. Animais são fonte de inspiração, objetos e personagens principais de lendas e mitos da humanidade! Enfim, é natural que pessoas de forte imaginação gostem de animais, pois são observadoras curiosas do mundo e de tudo que está nele, incluindo suas criaturas.

Além dos exemplos citados, temos uma escritora que levou beeem a sério essa paixão por animais: Patrícia Highsmith, autora do excelente O Livro das Crueldades para os que Gostam de Animais (Companhia das Letras, 1975). Mais conhecida por sua série de romances sobre o culto e homicida Tom Ripley (que já virou filme com o Matt Damon), ela escreveu essa antologia abordando um tema recorrente: a vingança dos animais contra seus agressores. Embora o livro não seja realmente de terror, não faltam mortes violentas e algumas passagens verdadeiramente macabras.

A antologia abre com O Finalíssimo Espetáculo da Corista, sobre uma elefanta que começa a se revoltar com sua prisão num zoológico. Narrado do ponto de vista do paquiderme, é um dos contos que humaniza o personagem animal, que lembra com saudades de sua infância na África, onde nunca mais irá voltar. Em determinado momento o bicharoco resolve dar um basta em sua situação, e quando um elefante resolve escapar, alguém sempre sai ferido. Ou pior. O final é de uma melancolia ímpar.

A Vingança de Djemal é uma das melhores (e mais aterradoras) histórias do livro, abordando os maldade do violento árabe Mahmet com seu camelo Djemal, que usa para ganhar dinheiro levando turistas para passear. Quando o animal falha em uma corrida de camelos, o proprietário espanca o bicho com a finesse de sempre, mas quando este revida, resolve vendê-lo. No entanto, um camelo, assim como os elefantes, parece não esquecer tão fácil... Embora pareça ser um conto sobre maus-tratos contra animais, o tema mais relevante é a perversidade humana, não apenas da pessoa de Mahmet, mas também de todos aqueles que o odeiam. Além da excelente ambientação, o interessante aqui é que o camelo não é antropomorfomizado, mas sim mostrado como um animal, sem pensamentos humanos nem nada do tipo. A maioria das histórias se desenvolve dessa forma. Particularmente prefiro assim, pois tira aquele ranço de "Fábula de Esopo".

Em Lá Estava eu, Amarrado a Bubsy, a morte do dono do velho Barão (um cachorro de grande porte) o coloca em uma situação difícil. Alvo de disputa entre uma bondosa mulher e Bubsy, o (aparentemente) amante do falecido, Barão é obrigado a morar com este último, por quem sente ódio recíproco. A convivência forçada tem um destino trágico, é claro. Histórinha boa, pero no mutcho.

A Maior Presa de Ming é sobre um gato (estava demorando para aparecer um, he he), e não vou me aprofundar muito. Se você estiver interessado, leia o conto clicando aqui. Essa é uma das histórias menos cruéis e mais sutis, mas já dá pra ter uma idéia do estilo da autora. Ah, detalhe para a ironia do título!

A história No Auge da Temporada das Trufas mostra com detalhes o trabalho dos porcos caçadores de trufas, usados para farejar a deliciosa iguaria que fica escondida entre as árvores. É claro, os porcos procuram as trufas porque querem comê-las, mas seus donos não permitem. Sansão, o gigantesco porco e personagem principal do conto, decide que essa condição de trabalho é injusta, e o resultado é previsível (embora o final seja de um humor negro bem eficaz). Quem já viu o tamanho que um porco pode atingir certamente vai se impressionar mais.

O Rato mais Corajoso de Veneza é, de longe, minha história favorita no livro. Vou resumir a equação da seguinte forma: grande rato de rua + bebê no berço = choro e ranger de dentes. Um primor da morbidez!

Há sete outros contos no livro, que decai um pouquinho a partir da metade, mas nada que comprometa. Ainda temos doninhas, baratas, bodes, cavalos, enfim, toda uma fauna furiosa e sedenta por vingança após tantos anos na posição de vítimas indefesas. O Livro das Crueldades é recomendado não apenas para os apaixonados por bichos, mas para qualquer um que aprecie contos recheados de ironia e (é claro) crueldade. Mas é claro que se você gostar de animais, irá se divertir muito mais! ;)

Abraços, boa leitura!

3 comentários:

  1. parece ser bem interessante...vou ler o conto do gato (meu animal preferido)

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  2. Excelente post! Realmente me interessei pelo livro, já que nunca li nada parecido, que colocasse os animais como vingadores do mal que os homens lhes causam. Sabendo que a ironia e a morbidez estão presentes nos contos, o livro me pareceu ainda mais interessante.

    Abraço,

    Aline - escrevendoloucamente.blogspot.com

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  3. Espero que a crueldade seja mais com os humanos da história kkkkk
    Nossa, achei o máximo, pelo menos vc faz parecer o máximo tal livro!
    E, sim, todos nós merecemos um castigo bem feio pelo mal que fazemos aos outros, mesmo que participemos indiretamente, mas sempre participamos.
    Eu tenho mania de personagens zoomórficos, uma forma de melhorar o humano, rs.

    Abraço!

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