sábado, 24 de abril de 2010

INCRÍVEL! FANTÁSTICO! EXTRAORDINÁRIO!, de Almirante


Quem nunca passou pela seguinte situação: um grupo de amigos ou parentes está reunido, conversando sobre qualquer assunto, e então, por um motivo qualquer, alguém na roda conta uma história de assombração; algumas pessoas falam "ai, não gosto dessas histórias de medo", mas ficam ali, escutando mesmo assim; um "causo" puxa o outro, pois todo mundo sabe no mínimo uma história "real", que aconteceu com um tio, um primo, com "a amiga da irmã de uma vizinha"; e, no final das contas, todos ficam ali algumas horas, olhando de forma hesitante para os lados enquanto os relatos vão se sucedendo, amedrontadores, apavorantes, deliciosos. No final, todos vão para casa com passos nervosos, sabendo que terão um sono agitado.

Os "causos" são histórias poderosas, remetem aos tempos primitivos onde os ensinamentos eram passados oralmente pelos sábios. Mesmo quem não acredita no sobrenatural acaba suspendendo momentâneamente sua descrença, quando alguém relata algo que jura ter sido real; afinal de contas, todos temos uma fascinação pelo desconhecido; tal qual Fox Mulder, nós queremos acreditar que o mundo não é essa chatice, e que ainda existem coisas que a ciência (essa grande estraga prazeres!) não é capaz de explicar. É nesse espírito que trazemos para a Biblioteca Mal-Assombrada o livro Incrível! Fantástico! Extraordinário!, de Almirante (Editora Francisco Alves, 1989).

Almirante era o nome artístico de Henrique Foreis Domingues, famoso radialista que, no dia 16 de setembro de 1947, inicou um programa pioneiro no rádio brasileiro: o Incrível! Fantástico! Extraordinário!, que trazia relatos de experiências inexplicáveis, vividas por pessoas de todo o país. Pesquisador emérito da cultura nacional, Almirante não imaginava que estava dando início ao programa de maior sucesso do rádio tupiniquim (nos áureos períodos pré-televisão), que duraria 11 anos. Boa parte do sucesso se devia à habilidade do radialista em narrar as histórias, mantendo toda a família presa em volta do radinho. O programa aceitava contribuições dos ouvintes, mas não era qualquer coisa que ia ao ar não! Eles tinham uma equipe encarregada de verificar a veracidade dos fatos (ou ao menos, o máximo que se podia considerar verdadeiro nesse tipo de história), checando nomes, endereços, testemunhos, etc... Bem, ao menos era o que diziam. Marketing ou não, isso aumentava ainda mais o pavor e o maravilhamento dos ouvintes, que tinham as mesmas sensações que nós sentimos nas nossas rodas de conversa sobre o assunto! Conforme conta Luiz Antônio Simas, do blog Histórias do Brasil, as narrativas atingiram em cheio o imaginário popular: crianças tinham medo de ir ao banheiro sozinhas por causa do fantasma da mulher de branco; taxistas ficavam com receio de levar passageiros até endereços próximos a cemitérios; até o presidente da República Café Filho admitiu que tinha medo de escutar o programa sozinho!

Infelizmente, o programa teve que ser cancelado em 1958, após Almirante sofrer um derrame que mudou completamente sua vida (ele continuou com outras atividades, vindo a falecer em 22 de dezembro de 1980). Ou seja, o programa só acabou porque ningúem mais poderia tomar seu lugar.

O livro da Francisco Alves resgata alguns dos relatos do programa, oferecendo um mostruário geral sobre os tipos de histórias apresentadas. Não eram apenas causos de horror, mas qualquer fato que fosse "Incrível! Fantástico! Extraordinário!", qualquer acontecimento bizarro ou inexplicável, tinha seu lugar nas apresentações radiofônicas do Almirante. Assim, você vai encontrar aqui histórias sobre pombas que acompanham velórios e se recusam a sair do rescinto, pessoas que honram seus compromissos mesmo após a morte, estátuas que parecem criar vida na calada da noite, previsões que se realizam, milagres do dia a dia, fantasmas, teletransporte, aparecimentos noturnos de pessoas que moram a quilômetros de distância, etc.

Algumas das narrativas se destacam, como a aterrorizante aparição no relato "A Mãe dos Chorões" (me arrepio só de lembrar), ou a abantesma que surge para uma criança em "O Padre Sinistro". Em "O Morto cumpre sua Ameaça", uma brincadeira de mau gosto gera consequências indesejadas. Em "A Promessa", as aparições em uma estradinha de terra se tornam tão frequentes que ficam até corriqueiras, e em "A Morta", uma fazendeira descobre que não dar pouso para uma grávida sem teto pode ser uma má idéia. O diabo também faz das suas, podendo ser sentido em "Três Gotas de Sangue", mas são os espectros que dominam a obra. Os relatos são curtos, normalmente não tem mais de duas páginas; afinal, causo que é causo não pode ser muito complexo, senão vira conto ou até romance (sempre tem um chato que não termina nunca de contar sua história, rsrs). Apenas se narra um acontecimento, sem firulas.

Os mais atentos devem ter notado que, na capa do livro, está escrito "outros casos verídicos de terror e assombração". A palavra "outros" está ali em alusão a um livro que Almirante lançou em 1951, compilando 70 casos de seu programa. Infelizmente, essa obra não teve reimpressão e é muito difícil de ser encontrada. Se você tiver a sorte de achar um, compre na hora (e se quiser me vender, é só entrar em contato pra gente conversar, he he). Enfim, essa versão lançada por Almirante não contém os mesmos relatos do livro da Editora Francisco Alves, cappici?

Incrível! Fantástico! Extraordinário! reproduz um pouco do clima das rodas de conversa sobre malassombros, além de resgatar um período em que a imaginação ainda não havia sido suprimida por imagens televisionadas. E é no espírito do rádio que concluo:

"Senhoras e senhores da família brasileira, esta foi mais uma dica imperdível de sua Biblioteca Mal-Assombrada, o melhor lugar para povoar suas noites com entidades do além-túmulo! Agradecemos sua presença, e até mais!"

Um comentário:

  1. Ouvi muitas narrativas do Almirante pela Rádio Tupy, quando tinha uns 6 ou 7 anos de idade.
    Eram 3 a 4 contos "verídicos"a cada terça-feira
    no programa:Incrível,fantástico,extraordinário"que iniciava às 21,30 horas e se estendia até às 24,00 horas.
    De arrepiar...
    Se tiver a oportunidade gostaria de comprar o livro de causos escrito por ele.

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